20.3.08

A História da Cana-de-açúcar - Da Antiguidade aos Dias Atuais

A História da Cana-de-açúcar - Da Antiguidade aos Dias Atuais
A cana-de-açúcar é, talvez, o único produto de origem agrícola destinado à alimentação que ao longo dos séculos foi alvo de disputas e conquistas, mobilizando homens e nações. A planta que dá origem ao produto encontrou lugar ideal no Brasil. Durante o Império, o país dependeu basicamente do cultivo da cana e da exportação do açúcar. Calcula-se que naquele período da história, a exportação do açúcar rendeu ao Brasil cinco vezes mais que as divisas proporcionadas por todos os outros produtos agrícolas destinados ao mercado externo.
ANTIGUIDADE - Foi na Nova Guiné que o homem teve o primeiro contato com a cana-de-açúcar. De lá, a planta foi para a Índia. No "Atharvaveda", o livro dos Vedas, há um trecho curioso: "Esta planta brotou do mel; com mel a arrancamos; nasceu a doçura.....Eu te enlaço com uma grinalda de cana-de-açúcar, para que me não sejas esquiva, para que te enamores de mim, para que não me sejas infiel". A palavra "açúcar" é derivado de "shakkar" ou açúcar em sânscrito, antiga língua da Índia.
DESCOBERTA DO OCIDENTE - Desconhecida no Ocidente, a cana-de-açúcar foi observada por alguns generais de Alexandre, o Grande, em 327 a.C e mais tarde, no século XI, durante as Cruzadas. Os árabes introduziram seu cultivo no Egito no século X e pelo Mar Mediterrâneo, em Chipre, na Sicília e na Espanha. Credita-se aos egípcios o desenvolvimento do processo de clarificação do caldo da cana e um açúcar de alta qualidade para a época.
O açúcar era consumido por reis e nobres na Europa, que a adquiriam de mercadores monopolistas, que mantinham relações comerciais com o Oriente, a fonte de abastecimento do produto. Por ser fonte de energia para o organismo, os médicos forneciam açúcar em grãos para a recuperação ou alívio dos moribundos. No início do século XIV, há registros de comercialização de açúcar por quantias que hoje seriam equivalentes R$ 200,00/kg. Por isso, quantidades de açúcar eram registradas em testamento por reis e nobres.
NO RENASCIMENTO - A Europa rumava para uma nova fase histórica, o Renascimento, com a ascensão do comércio, entre outras atividades. O comércio era feito por vias marítimas, pois os senhores feudais cobravam altos tributos pelos comboios que passavam pelas suas terras ou, simplesmente, incentivavam o saque de mercadorias. Portugal, por sua posição geográfica, era passagem obrigatória para as naus carregadas de mercadorias. Isso estimulou a introdução da cana-de-açúcar na Ilha da Madeira (Portugal), que foi o laboratório para a cultura de cana e de produção de açúcar que mais tarde se expandiria com a descoberta da América.
CHEGADA AO BRASIL - Cristóvão Colombo, genro de um grande produtor de açúcar na Ilha Madeira, introduziu o plantio da cana na América, em sua segunda viagem ao continente, em 1493, onde hoje é a República Dominicana. Quando os espanhóis descobriram o ouro e a prata das civilizações Azetca e Inca, no início do século XVI, o cultivo da cana e a produção de açúcar foram esquecidos.
Oficialmente, foi Martim Affonso de Souza que em 1532 trouxe a primeira muda de cana ao Brasil e iniciou seu cultivo na Capitania de São Vicente. Lá, ele próprio construiu o primeiro engenho de açúcar. Mas foi no Nordeste, principalmente nas Capitanias de Pernambuco e da Bahia, que os engenhos de açúcar se multiplicaram.
MONOPÓLIO BRASILEIRO - Depois de várias dificuldades, após 50 anos, o Brasil passou a monopolizar a produção mundial açúcar. Portugal e Holanda, que comercializavam o produto, tinham uma elevada lucratividade. A Europa enriquecida pelo ouro e prata do Novo Mundo passou a ser grande consumidora de açúcar. As regiões produtoras, especialmente as cidades de Salvador e Olinda prosperaram rapidamente. As refinarias se multiplicavam na Europa, a ponto de Portugal proibir novas centrais de refino em 1559 devido ao grande consumo de lenha e insumos para a clarificação do caldo (clara de ovos, sangue de boi, ossos e gordura de galinha).
No ano de 1578 Portugal foi anexado pela Espanha. O rei espanhol, Felipe II, católico fervoroso, se opunha duramente à Holanda e Inglaterra, países protestantes. O comércio da Holanda entrou em colapso e em 1630 os holandeses invadiram o Brasil permanecendo em Pernambuco até 1654, quando foram expulsos. Para diminuir a dependência do açúcar brasileiro, os holandeses iniciaram a produção açucareira no Caribe e mais tarde os próprios ingleses e franceses fizeram o mesmo em suas colônias, acabando com o monopólio do açúcar brasileiro.
A descoberta do ouro no final do século XVII nas Minas Gerais retirou do açúcar o primeiro lugar na geração de riquezas, cuja produção se retraiu até o final do século XIX. Mesmo assim, no período do Brasil Império de (1500-1822) a renda obtida pelo comércio do açúcar atingiu quase duas vezes à do ouro e quase cinco vezes à de todos os outros produtos agrícolas juntos, tais como café, algodão, madeiras, etc.
AUMENTA A CONCORRÊNCIA - A partir do início do século XVIII a produção nas ilhas do Caribe e nas Antilhas cresceu e o Brasil perdeu posições na produção mundial de açúcar. Inglaterra e França disputavam em suas colônias os primeiros lugares na produção. A Inglaterra já era uma grande potência naval. Os holandeses perderam pontos estratégicos no comércio de açúcar. O Haiti, colônia francesa no Caribe, era o maior produtor mundial.
As 13 colônias americanas, que mais tarde deram origem aos EUA, lutavam com dificuldade, apesar de um comércio crescente com as colônias produtoras de açúcar no Caribe e nas Antilhas. Em contrapartida compravam melaço, matéria-prima para o rum, que forneciam à marinha inglesa. Esse comércio era ignorado pelos ingleses e concorreu para o fortalecimento econômico das colônias americanas. Estes fatores foram decisivos não só para a independência das 13 colônias, mas também para o surgimento da grande nação da América do Norte.
Os ingleses tomaram Cuba dos espanhóis em 1760, dobraram o número de escravos e fizeram da ilha um dos maiores produtores mundiais de açúcar. Em 1791, uma revolução de escravos no Haiti aniquilou completamente sua produção de açúcar e os franceses expulsos foram para a Louisiana, dando início à indústria açucareira norte-americana. O Brasil não estava no centro dos acontecimentos mas continuava entre os cinco maiores produtores.
AÇÚCAR DE BETERRABA - No início do século XIX, Napoleão dominava a Europa. Seus inimigos, os ingleses, promoveram o bloqueio continental em 1806, graças ao seu maior poder naval. Impedido de receber o açúcar de suas colônias ou de outros lugares além-mar, Napoleão incentivou a produção de açúcar a partir da beterraba, graças à técnica desenvolvida por Andrés Marggraf, químico prussiano, em 1747.
Assim, finalmente, a Europa não dependeria mais da importação de açúcar de outros continentes. Por outro lado, em plena revolução industrial, o uso de novas máquinas, técnicas e equipamentos possibilitaram às novas indústrias tanto de beterraba, como de cana, um novo patamar tecnológico de produção e eficiência, impossível de ser atingido pelos engenhos tradicionais.
Aliado a esses fatores, o fim da escravatura sepultava definitivamente o modelo de produção de quatro séculos. Enquanto as modernas fábricas se multiplicavam e novas regiões produtoras surgiam, como a África do Sul, Ilhas Maurício e Reunião, Austrália e em colônias inglesas, francesas ou holandesas, no Brasil os engenhos tradicionais persistiam, ainda que agonizantes. Somente na metade do século XIX é que medidas para reverter essa situação começaram a ser tomadas.
NOVAS TECNOLOGIAS - O imperador do Brasil, D. Pedro II, era um entusiasta das novas tecnologias e em 1857 foi elaborado um programa de modernização da produção de açúcar. Assim surgiram os Engenhos Centrais, que deveriam somente moer a cana e processar o açúcar, ficando o cultivo por conta dos fornecedores. Nessa época, Cuba liderava a produção mundial de açúcar de cana com 25% do total e o açúcar de beterraba produzido no Europa e EUA significava 36% da produção mundial. O Brasil contribuía com apenas 5% de um total de 2.640.000 toneladas em 1874.
Foram aprovados 87 Engenhos Centrais, mas só 12 foram implantados. O primeiro deles, Quissamã, na região de Campos, entrou em operação em 1877 e está em atividade até hoje. Mas a maioria não teve a mesma sorte. O desconhecimento dos novos equipamentos, a falta de interesse dos fornecedores, que preferiam produzir aguardente ou mesmo açúcar pelos velhos métodos, e outras dificuldades contribuíram para a derrocada dos Engenhos Centrais.
Os próprios fornecedores dos equipamentos acabaram por adquiri-los e montar suas indústrias de processamento de açúcar. A maioria das novas indústrias estava no Nordeste e em São Paulo e passaram a ser chamadas de "usinas de açúcar". Apesar da novidade, o açúcar derivado da cana não fazia frente ao de beterraba (em 1900 ultrapassava mais de 50% da produção mundial).
A 1ª Grande Guerra, iniciada em 1914, devastou a indústria de açúcar européia. Esse fato provocou um aumento do preço do produto no mercado mundial e incentivou a construção de novas usinas no Brasil, notadamente em São Paulo, onde muitos fazendeiros de café desejavam diversificar seu perfil de produção.
IMIGRANTES ITALIANOS - No final do século XIX, o Brasil vivia a euforia do café (70% da produção mundial estavam aqui). Após a abolição da escravatura, o governo brasileiro incentivou a vinda de europeus para suprir a mão-de-obra necessária às fazendas de café, no interior paulista. Os imigrantes, de maioria italiana, adquiriram terra e grande parte optou pela produção de aguardente a partir da cana. Inúmeros engenhos se concentraram nas regiões de Campinas, Itu, Moji-Guaçu e Piracicaba. Mais ao norte do estado, nas vizinhanças de Ribeirão Preto, novos engenhos também se formaram.
Na virada do século, com terras menos adequadas ao café, Piracicaba, cuja região possuía três dos maiores Engenhos Centrais do estado e usinas de porte, rapidamente se tornou o maior centro produtor de açúcar de São Paulo. A partir da década de 10, impulsionados pelo crescimento da economia paulista, os engenhos de aguardente foram rapidamente se transformando em usinas de açúcar, dando origem aos grupos produtores mais tradicionais do estado na atualidade.
Foi nessa época, 1910, que Pedro Morganti, os irmãos Carbone e outros pequenos refinadores formaram a Cia. União dos Refinadores, uma das primeiras refinarias de grande porte do Brasil. Em 1920, um imigrante italiano com experiência em usinas de açúcar, fundou em Piracicaba uma oficina mecânica que logo depois se transformaria na primeira fábrica de equipamentos para a produção de açúcar no Brasil. Esse pioneiro era Mario Dedini.
CRIAÇÃO DO IAA - Essa expansão da produção também ocorria no Nordeste, concentrada em Pernambuco e Alagoas. As usinas nordestinas eram responsáveis por toda a exportação brasileira e ainda complementavam a demanda dos estados do sul. A produção do Nordeste somada à de Campos, no norte fluminense, e a rápida expansão das usinas paulistas acenavam para um risco eminente: a superprodução. Para controlar a produção surgiu o IAA (Instituto do Açúcar e Álcool), criado pelo governo Vargas em 1933. O IAA adotou o regime de cotas, que atribuía a cada usina uma quantidade de cana a ser moída, a produção de açúcar e também a de álcool. A aquisição de novos equipamentos ou a modificação dos existentes também precisavam de autorização do IAA.
Por ocasião da 2ª Guerra Mundial, com o risco representado pelos submarinos alemães à navegação na costa brasileira, as usinas paulistas reivindicaram o aumento da produção para que não houvesse o desabastecimento dos Estados do sul. A solicitação foi aceita e nos dez anos subseqüentes os paulistas multiplicaram por quase seis vezes sua produção. No início da década de 50, São Paulo ultrapassou a produção do Nordeste, quebrando uma hegemonia de mais de 400 anos.
MODERNIZAÇÃO ACELERADA - Desde a 2ª Guerra Mundial, os esforços da indústria açucareira brasileira se concentraram na multiplicação da capacidade produtiva. As constantes alterações na cotação do açúcar no mercado internacional e os equipamentos obsoletos forçaram uma mudança de atitude para a manutenção da rentabilidade. Coube à Copersucar - cooperativa formada em 1959 por mais de uma centena de produtores paulistas para a defesa de seus preços de comercialização - a iniciativa de buscar novas tecnologias para o setor. A indústria açucareira da Austrália e a África do Sul representavam o modelo de modernidade desejada. Do país africano vieram vários equipamentos modernos.
Na agricultura, a busca por novas variedades de cana mais produtivas e mais resistentes às pragas e doenças, iniciada em 1926, por ocasião da infestação dos canaviais pelo mosaico, foi também intensificada e teve início o controle biológico de pragas. Entidades como Copersucar, o IAC (Instituto Agronômico de Campinas) e o IAA-Planalçucar foram responsáveis por esses avanços. Esse período de renovação culminou com a elevação dos preços do açúcar no mercado internacional que atingiram a marca histórica de mais de US$ 1000.00 a tonelada.
Com os recursos decorrentes desse aumento de preço foi criado pelo IAA o Funproçucar que financiou em 1973 a modernização das indústrias e a maioria das usinas foi totalmente remodelada. Esses fatos foram de importância fundamental para o próprio Brasil enfrentar as crises do petróleo que se seguiram a partir de 1973, através do Proálcool. Esse programa de incentivo à produção e uso do álcool como combustível em substituição à gasolina, criado em 1975, alavancou o desenvolvimento de novas regiões produtoras como o Paraná, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Em menos de cinco anos a produção de pouco mais de 300 milhões de litros ultrapassou a cifra de 11 bilhões de litros, caracterizando o Proálcool como o maior programa de energia renovável já estabelecido em termos mundiais, economizando mais de US$ 30 bilhões em divisas.
NOVOS DESAFIOS - No final da década de 70, apareceram os adoçantes sintéticos, com amplas campanhas publicitárias, para concorrer com o açúcar. Paralelamente nos EUA, o principal mercado consumidor de açúcar, desenvolveu-se a produção de xaropes de frutose, obtidos a partir do milho, para uso industrial, substituindo o açúcar em alimentos e refrigerantes. No início da década de 80, o xarope de frutose ocupou mais de 50% do mercado que originalmente era do açúcar. Nos dias de hoje, praticamente 70% do milho produzido nos EUA, que também é o maior produtor mundial desse cereal, é destinado à produção de xarope de frutose e álcool combustível, elevando os EUA à condição de segundo maior produtor mundial de álcool (7 bilhões de litros). Esses novos produtos, suas campanhas e o pequeno incremento na demanda mundial, derrubaram o preço do açúcar a patamares poucas vezes igualado na história recente.
As usinas brasileiras se beneficiaram porque possuíam o álcool como salvaguarda. Apesar das dificuldades, da globalização, da rápida mudança de paradigmas a que está submetida, a indústria açucareira brasileira continua em expansão. Sua produção no final do milênio chegou a 300.000.000 de toneladas de cana moída/ano em pouco mais de 300 unidades produtoras; 17 milhões de toneladas de açúcar e 13 bilhões de litros de álcool. A procura por diferenciação e produtos com maior valor agregado é constante. Novos sistemas de administração e participação no mercado são rapidamente incorporados. O setor não mais se acomoda à resignação do passado e busca novas alternativas, como a co-geração de energia elétrica.
Fonte: Resumo do texto "Brasil, a doce terra", de Fúlvio de Barros Pinheiro Machado

6.3.08

A Educação e o culto da pobreza

Episódio 1. Quando a Editora Cortez começou a modificar suas capas, transformando-as para melhor, o professor Dermeval Saviani comentou comigo: "as publicações estão estranhas, inclusive com capas sofisticadas, que não são propriamenJustify Fullte de livros para o professor". O que Saviani queria dizer é que os livros já não estavam mais na linha do marxismo ou, ao menos, dentro do projeto que ele havia imaginado como sendo o que deveria seguir uma editora "para professores". As capas estavam deixando de ser padronizadas, e tal melhoria não chamaria a atenção do professor, dado que este estaria acostumado a algo mais simples. Esta conversa ocorreu em final dos anos oitenta.

Episódio 2. Alguns anos mais tarde fiz um trabalho para uma prefeitura governada pelo PFL e, logo em seguida, na mesma semana, para uma outra do PT. O trabalho era duplo, em ambos os casos, para as secretarias de Educação e para as secretarias de Cultura. Para a Educação o trabalho - texto e palestra - foi pago por um valor 9 vezes mais barato do que para Cultura. Todavia, o público da Educação girava em torno de dois mil professores, o da Cultura, em ambos os casos, não passava de 25 pessoas.

Episódio 3. Antes disso, ainda nos anos oitenta, conheci José Carlos Libâneo, que insistia que era necessário "dar o mínimo" para o professor, em termos de conteúdo, de modo que este garantisse "o mínimo" para os alunos. Isso chegou a virar uma regra nos cursos de pedagogia, que logo depois se tornaram os cursos de formação do professor de primeira à quarta série do Ensino Fundamental.

Em meados dos anos noventa saí do Brasil e fui trabalhar na Nova Zelândia. Voltei. Saí da Universidade Pública. Saí do Brasil e fui trabalhar nos Estados Unidos. Voltei para o Brasil. Lecionei em mais algumas outras universidades, saí novamente do Brasil. Voltei e resolvi não pisar mais em universidades. O império da desvalorização do que é um professor, estampado em 1, 2 e 3, havia se tornado regra. A Igreja do culto à pobreza na educação parecia estar ganhando terreno.

Episódio 4. Convidado para fazer uma crítica ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) pelo ministro Fernando Haddad, tive algumas conversas com ele no sentido de mostrar que o Brasil fazia boa educação pública - a rede federal pública de ensino universitário mostrava isso. Professores ganhando bem e educação bem equipada era a diferença que fazia a diferença. Não obtive resposta. Não era para tocar no assunto. Era para continuar dizendo que temos de educar muita gente com pouco - este era o desafio. Fernando Haddad havia sido mordido pelo "mínimo", pelo "simples", e pelo "pouco".

Episódio 5. A esquerda em educação perdeu espaço. A direita cresceu. Isso não mudou muito as coisas. A revista Veja, com Claudio Moura Castro e outros pupilos à frente, continua o discurso padrão: pouco, simples, mínimo. Para Castro a escola é algo "simples" - um professor e alunos. Ele chegou a definir a educação e a escola nesses termos! Outro jornalista da Veja acompanha: salário não melhora a condição de trabalho do professor e não melhora o ensino. Eles até inventam estatísticas para bancar essa idéia maluca.

Esses episódios são diferentes, é claro. E estou longe de dizer que um Claudio Moura Castro é igual a um Saviani. Todavia, em todos esses episódios há uma mesma ou quase a mesma mentalidade: para o professor é necessário pouco, ou em termos financeiros ou em termos de sofisticação cultural. E a educação, como Libâneo dizia e Guiomar Namo de Melo confirmava e praticava, é a dos "mínimos". Como filósofo há anos, e tendo como um dos objetos de preferência temática a educação, não me lembro de ter visto alguém não defender, em alguma medida, a idéia que carrega a herança de nosso passado colonial: a educação é algo do missionário religioso e, portanto, algo do âmbito daquele que é pobre para aquele que é pobre com tudo que há de pobre. Pode haver rico nisso? Pode, mas na hora que ele se veste de professor, ele tem de ficar pobre - em algum sentido.

Pobre: às vezes de material e dinheiro, às vezes de elementos espirituais. Simples, pobre, pouco, mínimo - eis aí tudo que autoridades e educadores tendem a colocar em deslocamento para a educação brasileira. Não são todos os discursos iguais, é claro. Mas há algo de semelhante neles. Há algo de não liberal e de não capitalista, algo que não os integra na idéia de sociedade de mercado - livre, desenvolvida, rica e poderosa. Ou pela via do socialismo ou pela via de um capitalismo tímido ou, ainda, pela via de um tipo de comunitarismo feudal, todos chegam ao ponto comum em suas utopias da pobreza: o professor faz um serviço popular, portanto, para pobres, e então ele deve ser pobre ou viver na pobreza. Caso não seja pobre, então, que seja simples. Caso não possa ser simples, que não passe do mínimo. Salários, conteúdo e material didático - tudo tem de ser carente. Sim, a palavra "carente" deixou de ser algo a ser superado para ser um adjetivo final. Há no Brasil os "carentes" e os "menos privilegiados". Eles não devem desaparecer. Devem ser mantidos de alguma forma. Com o simples, o mínimo, o pouco e ... de preferência com programas de "bolsa" ou "pro" alguma coisa.

Episódio 6. Maria Helena de Castro é secretária de Educação do Estado de São Paulo. Ela apostilou a educação fundamental. Livros? Não, nem os simples. A idéia original - originalíssima! - que ela trouxe para São Paulo é a de entregar apostilas nas mãos dos professores, e fazê-los seguir aquilo. Apostilas como a dos "cursinhos para vestibulares"? Não! Isso já seria luxo demais. Apenas coisas escritas em algo como um jornaleco. Afinal, é para professor e aluno da rede pública mesmo! O simples, o pouco e o mínimo viram, na gestão da Educação do Estado de São Paulo, no governo de Serra, o "simplório", o "irrisório" e o "mínimo do mínimo". Como se vê, pioramos. Passamos de uma mentalidade da pobreza para a pobreza de fato. Sempre é possível dar um passo a mais em direção ao fundo do posso na Igreja do Culto à Pobreza.

Paulo Ghiraldelli Jr. , o filósofo da cidade de São Paulo

3.3.08

Educar para o pensar e pensar o educar

Maria Terezinha CorrêaFilósofa, mestra em Antropologia mtec@usp.br

O Mito da Caverna, contado pelo filósofo grego Platão (séc. VI aC) em seu livro VII de A República, ilustra bem a necessidade do ser humano buscar o conhecimento. É um constante sair em busca do educar.O homem que corajosamente saiu da caverna, após livrar-se das amarras das correntes, enquanto os outros ficaram apreciando as sombras, libertou-se, quando viu a luz e quis segui-la. Toda saída nos leva ao encontro de algo. É na busca e no encontro que adquirimos o conhecimento. Em geral, o conhecimento é fruto do pensar.Relembrando a explicação dada pelo filósofo grego, muitas vezes, a caverna, que é o nosso próprio corpo, nos amarra às paixões. Estas, nos acorrentam às aparências que enganam a realidade, porque a escuridão, ou seja, a falta de conhecimento, iludem o sujeito que vira às costas para a luz, que é o Conhecimento. Conhecimento para Platão era ter acesso ao Sumo Bem. Para conhecer é preciso entrar em intimidade com o real; é a busca da verdade, mesmo que seja, ainda, insatisfatória. Mas, é sempre um sair de si para ir em busca de. Por isso, pensar é um bem.Esse mito, depois de muitos séculos, foi readaptado por Agostinho de Hipona (séc. IV dC), filósofo representante da escola Patrística, na Idade Média, cujo contexto sócio-cristão influenciou a educação e o pensar até os dias atuais, com algumas ressalvas. Acreditava-se que para alcançar o pleno conhecimento era preciso crer, ter fé. Assim, o homem gnóstico, era aquele sujeito que tendo acesso à verdade, educava-se libertando de suas paixões. Também, para Agostinho, a verdade era a própria Luz. E essa luz encontrava-se em Deus, criador de toda inteligência humana. O ser humano não procurava ou afastava-se dessa Luz, vivia nas trevas, que era o mal.Mas, o que é educar? Educare significa: extrair as sementes de dentro, desenvolver a capacidade, ter uma meta dentro de si.Educação, portanto, é caminho, é processo, é a busca do bem querer-se e do querer bem. Sócrates praticava a maiêutica com os jovens de sua época. Desse “parto das idéias” extraía reflexões que influenciavam, não só a vida pessoal (psicológica), mas também, o bem comum (sócio-política). Extrair, para quem provoca, é permitir que o outro lance para fora suas “sementes”, ou, por que não? sua “seiva”.Essa “semente” ou “seiva” podemos chamar de Logos. Logos é pensar, raciocinar, refletir. Pensar no que vê, observa, ouve, sente, experimenta. Por conseguinte, é preciso sair de si e “estar com” o mundo, o outro, consigo, com o Ser Superior... e, assim, descobrir-se. Ao descobrir-se, o pensar vai educando o sujeito. O objetivo da Educação é o amadurecimento humano. Amadurecimento este, que acontece de modo qualitativo no campo moral, tanto da dimensão psicológica quanto ontológica. O educando é único e sempre o mesmo. Contudo, diversos são os pontos de vista segundo os quais se pode considerar o amadurecimento.A educação é um processo específico. Não se confunde com os outros processos, embora necessite deles (outros processos de crescimento) para alcançar o seu objetivo. Os mais importantes (destes processos) são: a libertação, a personalização e a socialização.Em todos esses processos a gente percebe que há a idéia de caminho e de um desenvolvimento progressivo: alguma coisa que se vai fazendo às apalpadelas, ou seja, tateando, aos poucos, gradualmente. Por isso, a educação, de modo geral, é vista a longo prazo. Pois ao mesmo tempo, a gente percebe a presença de uma meta-ideal, um amadurecimento a atingir: a liberdade, a construção da pessoa, a relação social.Voltando ao Mito da Caverna, depois que o homem saiu da caverna, ou seja, sua mente não fica presa só aos seus mesquinhos instintos, ele ao conhecer novos caminhos passa a escolher melhor o seu bem viver.Vamos aprofundar, então, a análise de cada um desses processos, começando pelo último deles:Socialização - nesse processo a educação é vista partindo de um “processo de socialização metódica das novas gerações”, podendo dizer que há em cada um de nós dois seres: Um constituído por todos aqueles estados mentais que não se relacionam a não ser conosco mesmos e com os acontecimentos da nossa vida pessoal; um outro, composto por um sistema de idéias, sentimentos e hábitos que se expressam, não na nossa personalidade, mas no grupo ou grupos diferentes dos quais fazemos parte. Ex: crenças religiosas, hábitos, práticas morais, tradições nacionais. Este conjunto permite educar o “ser social”, através de dois fatores: a assimilação de pautas de conduta que permitirão uma convivência positiva (culturação); e a inserção na rede de relações típicas da sociedade (família, escola, grupos).A socialização, portanto, é o processo mediante o qual o indivíduo chega à maturidade do seu ser social e à integração ativa e crítica no sistema social concreto ao qual pertence. A educação escolar deveria ser um dos meios, através do qual o educando amplia sua visão social.Contudo, cabe aqui ressaltar que o objetivo da educação não é só a sociedade, mas a pessoa. Se não houver a colaboração do educando, não há educação, mas apenas domesticação.Personalização- HumanizaçãoO processo de humanização considera a pessoa protagonista do mundo, sujeito da história. Esse processo comporta duas exigências: que a educação tenha como fim único a plenitude humana e não apenas a “domesticação” para uma determinada sociedade; que a educação tenha por referência o ser humano de forma integral, não esquecendo suas diversas dimensões.Nesse processo, o crescimento psicológico consiste na atualização de potencialidades, na revelação da força ontológica, que se manifesta na criatividade, no desenvolvimento de aprender seu próprio potencial, tornando-se pessoa, ser humano.LibertaçãoDiante da socialização do indivíduo e de sua personalização, a busca da libertação ocorre tanto na dimensão pessoal quanto na social.Toda pessoa sofre a pressão de condicionamentos negativos durante o processo de seu amadurecimento. Em determinados momentos, esses condicionamentos aparecem de forma inerentes à pessoa: obstáculos, temores, complexos. Outras vezes, esses condicionamentos são infundidos no indivíduo pelo contexto social: alienação, consumismo, de forma que cria “total dependência” nas pessoas.A educação, nesse caso, deve ser entendida como prática da liberdade, ou seja, conscientizar as pessoas e mostrar a necessidade de uma libertação; ter uma visão crítica e reflexiva da realidade, comparando esta realidade que se vive com uma outra que é proposta como ideal.A educação pode ser assistemática e sistemática. Mas é fundamental a figura do educador. Segundo uma palestra de Sigmar Malvezzi, sobre Os desafios da educação na sociedade do conhecimento, a matéria-prima do educador é a condição humana, isto é- Ser indeterminado (incompleto, instável frente ao ambiente);- Encontra equilíbrio na ação (agindo, cria e exerce um papel no mundo, descobre suas potenticialidades e as do mundo; descobre sua interdependência);- Apropria-se de sua história, estabelecendo e realizando propósitos (percebe-se capaz de crescer e direcionar seu crescimento, descobre-se sujeito);- Pode alienar-se (perde a oportunidade de se autocriar, a alienação cria uma história à revelia do indivíduo);- Encontra razão de vida no crescimento psicológico, explorando o seu potencial e o do mundo (cede às possibilidades do mundo);- Atua através da reflexão, do enquadramento no tempo e no espaço, da linguagem simbólica, da produção de valores, representações e significados, da economia de pulsões, desejos, prazer e sofrimento.Se a matéria-prima do educador é a condição humana, podemos, talvez afirmar que a matéria-prima do educar para pensar é a linguagem, instrumento fundamental para a reflexão humana.Instrumentos do pensaA linguagem é um dos instrumentos básicos para introduzir a educação e conseqüentemente o pensar. Os dois papéis básicos da linguagem são: construir a reflexão, e modelar a nossa identidade.Para refletir, M. L. A. Aranha (1996), autora de Temas de Filosofia, diz que precisamos aprender a ler. Leitura tem um significado bastante amplo: “é efetuada toda vez que 'lemos' um significado em algum acontecimento, alguma atitude, algum texto escrito, comportamento, quadro, mapa e até as gracinha de um cachorro”. Podemos chamar isso de leitura do mundo. Para isso, é preciso saber observá-lo, utilizando todos os sentidos (visão, tato...), e assim, recolher as informações dos mais variados tipos.A leitura de texto (que em latim quer dizer “tecido”), pode ser entendido como qualquer significado tecido ou articulado através de uma linguagem determinada. Ex: quadro, filme, livro.Toda leitura depende de nossas experiências, idade, sexo, país e época em que vivemos, classe social a que pertencemos, enfim, de nossa história de vida.A leitura de textos verbais são os mais freqüentes na vida escolar. Os textos verbais utilizam a palavra, incluem desde os livros e as apostilas usados em sala de aula, os artigos de jornal e de revista, os romances, os contos, as poesias, os artigos científicos até a parte falada de um filme, de uma propaganda ou programa de televisão.Os textos, portanto, podem ser de ficção ou de não ficção. A leitura pode ser emocional ou racional.Enquanto a leitura emocional é subjetiva, libera as emoções e a fantasia, a leitura racional é objetiva e tem como condição estar atento a: denotação das palavras, interpretação, crítica e problematização das mesmas. Para isso são feitos exercícios, por exemplo: fichamentos, seminários, dissertação. Surgiu, assim, o conhecimento ou a ciência que passou a ser registrada como “teoria” ou “invenção”.O educador deve conhecer a realidade do educando, sua cidade, região, país, continente e, daí, partir para o conhecimento chamado específico (filosófico, científico, artístico, religioso).A ciência antiga era contemplativa, era um “quadro preparatório” de encontro e convívio com a realidade. Na Idade Média, a vida contemplativa tornou-se um ideal para sustentar a vida, sendo os mosteiros o lugar para alcançar tal realidade na fórmula Ora et labora, originando a palavra “laboratório”.Arcângelo Buzzi, ao fazer uma introdução ao pensar diz: “A palavra teoria tem hoje um sentido diferente. Não significa contemplação, cheia de espanto, do que aparece. Significa invenção de esquemas ou sistemas mediante os quais se calcula e se opera um universo de dados empíricos.” O autor ainda acrescenta que o cientista não investiga fatos, mas teorias. Mediante teorias produz objetos. A ciência não conhece fatos, mas objetos. “O mundo da ciência se compõe de objetos. Esses objetos não são os dados da empiria. São entes conjeturados pela razão a partir dos dados da empiria.”No entanto, toda a ciência considerada científica, confronta-se com dimensões simbólicas, de representação que as ciências humanas tentam perceber com mais clareza. “O discurso científico presume o que o discurso mítico jamais presumia: apossar-se do poder do evento.” Quando a ciência consegue refutar teorias antigas, ela o faz através da autonomia humana de refletir. Assim, o ser humano, à medida que utiliza a razão como vontade de autonomia, ele prevê e providencia sua existência. Portanto, educar para o pensar exige, não só, do educando que se sinta numa comunidade de investigação constante, descobrindo, com isso novas possibilidades de libertação, autoreprodução e transformação do social, mas também, do educador a busca constante do conhecimento renovado ou redescoberto pelas novas investigações. Estas buscam sempre pensar o agir humano, ou seja, pensar o educar. Pois o diálogo com a diversidade cultural faz-se necessário para haver uma convergência no modo de agir, de conduzir e relacionar-se com todo o universo que nos rodeia.
Bibliografia
ARANHA, M. L. A – Temas de Filosofia. São Paulo, Moderna, 1992.
BUZZI, A. R. - Introdução ao Pensar. Petrópolis, Ed. Vozes,
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