28.4.10

Cavaleiro medieval

Símbolo do imaginário da Idade Média, passou de título de nobreza e figura essencial no campo de batalha a um ideal romantizado, exercitado em torneios e popularizado graças aos contos de cavalaria

por Natalia Yudenitsch

Para um cavaleiro medieval, perder um cavalo significava desespero. Além do alto custo de adquirir um novo animal de boa linhagem com todos os equipamentos necessários, a cavalaria era, por volta do século 12, intimamente associada à nobreza - ou seja, lutar a pé era uma evidente perda de status. Por isso, compreende-se o apelo angustiado do rei inglês Ricardo III: “Um cavalo, um cavalo, meu reino por um cavalo!”, ele repetia, ao perder sua montaria durante a Batalha de Bosworth, em 1485 - e a fala está na peça Ricardo III do dramaturgo inglês William Shakespeare. Dá uma boa idéia do que representavam o cavaleiro e a montaria na Idade Média. Eram fundamentais nos combates. Alguns viraram lendas pelas atuações nas batalhas e nos torneios de cavaleiros, outros foram idealizados em contos, livros e peças como a de Shakespeare.

A conexão do futuro cavaleiro, sempre de linhagem nobre e muitas vezes com sangue real, com a prática começava cedo. Ao 7 anos, o garoto era iniciado em sua formação como pajem. Aos 12, passava a servir seu senhor feudal, quando recebia instrução militar e subia ao posto de escudeiro. Era com esse status que partia com seu suserano para assistir a suas primeiras batalhas reais e aprendia o manejo da lança e da espada. Se sobrevivesse à experiência, provasse seu valor e tivesse dinheiro suficiente para arcar com os custos, entre os 18 e 20 anos ele era armado cavaleiro num ritual que marcava a passagem da adolescência para a idade adulta.

O ritual de sagração de cavaleiro dava a medida da importância do título. Implicava em mostrar sua virilidade em combates simulados durante uma festa – às vezes até em presença do rei –, na observação do jejum e em uma noite de vigília das armas, seguida da comunhão, que incluía a bênção da espada do aspirante. O rapaz fazia então seu juramento, prometendo seguir os códigos de lealdade e honra. De acordo com o professor Wolfgang Henzler, especialista em história e armas medievais da Universidade de Freiburg, na Alemanha, "ele recebia um tapa no rosto ou um golpe no ombro ou na nuca do seu senhor, que finalmente dizia: `Eu te faço cavaleiro em nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo, de São Miguel e de São Jorge. Sê valente, destemido e leal´. E dali saía montado em seu cavalo".

No campo de batalha, as formações da cavalaria começavam com as lanças. Funcionava assim: cada lança trazia uma fileira com o cavaleiro, seu escudeiro, um pajem e dois arqueiros ou besteiros. Cerca de seis lanças se configuravam como uma bandeira, que por sua vez constituíam uma companhia de homens de armas. "Não é à toa que os cavalos recebiam um tratamento muitas vezes superior ao despendido aos soldados. A perda do cavalo em combate podia custar a vida de seu cavaleiro, já que suas armaduras eram mais leves do que as dos soldados desmontados, resistindo bem menos a flechas e golpes de espada”, diz Henzler.

Contra a decadência, festivais

No século 14, na era das cruzadas, a cavalaria ganhou um aspecto mais religioso, especialmente com o surgimento das ordens militares – como as de hospitalários e templários. O cavaleiro passou a ser defensor contra hereges e infiéis. “Durante a Guerra dos Cem Anos, ao mesmo tempo em que chegava ao auge no imaginário popular, ele viu sua importância militar perder força. Primeiro por causa da melhoria das armas, como o arco longo, e depois com a chegada das armas de fogo”, conarta Jill Diana Harries, professora de história antiga da Universidade de St. Andrews, na Escócia.

A partir daí, o cavaleiro andante, com sua armadura brilhante e o ar orgulhoso que se popularizou nos séculos 15 e 16, transformou-se em uma realidade muito mais reservada aos torneios do que às batalhas reais. Esse eventos, como definiu no século 12 o historiador medieval inglês Roger of Hoveden, eram “um exercício militar sem o espírito de hostilidade”. Muito populares na Europa, tinham regras simples: cada cavaleiro levava três armas – uma espada, uma lança e um rondel (um tipo de adaga medindo entre 30 e 50 cm) – e o vencedor era o que conseguisse derrubar o oponente do cavalo com a lança. Se ambos caíssem, dava empate - resolvido em um duelo no solo, até que sobrasse apenas um homem em pé. Se o embate fosse por prazer, para a diversão da platéia, usavam-se armas com pontas rombudas.

Com a ascensão da infantaria nos campos de batalha, o ataque de cavalaria contra as linhas inimigas foi substituído pela artilharia. Em plena decadência, os cavaleiros medievais perderam seu status de guerreiros e ganharam a aura de conquistadores de donzelas, imortalizados pelos populares contos de cavalaria.

Saiba mais

Livros

Romances da Távola Redonda, Chrétien de Troyes, ed. Martins Fontes, 1998

Dom Quixote, Miguel de Cervantes, ed. Ediouro, 2005

O Rei do Inverno, O Inimigo de Deus e Excalibur – Trilogia sobre o rei Arthur, Bernard Cornwell, ed. Record, 2002

Histórias de cavaleiro

As novelas de cavalaria, aventuras que exaltavam a defesa dos fracos e oprimidos e que vinham sempre recheadas de aventuras e histórias de amor, fizeram a fama do cavaleiro medieval que persiste até hoje. Com uma concepção de amor mais realista do que a literatura cortês, os contos de cavalaria foram também usados como um instrumento de doutrina da Igreja, que incentivava a idéia da busca pelo Graal sagrado, cálice que teria contido o sangue de Cristo após a crucificação – como a descrita nas várias narrativas do ciclo arturiano sobre a saga dos Cavaleiros da Távola Redonda. Em seu ápice heróico, estão as visões de cavaleiros baseadas na lenda de Tristão e Isolda, como a do alemão Gottfried von Strassburg, e o romance Lancelot, de Chrétien de Troyes, escrito no século 12. O crepúsculo da cavalaria, porém, não deixou de ser registrado pelasletras. Don Quixote de La Mancha, do espanhol Miguel de Cervantes, retrata com uma pontinha nostálgica o que restara do cavaleiro andante no século 16: uma figuraheróica com algo de patético que perseguia moinhos acreditando serem esses dragões.

Fonte:Aventuras na História