28.4.10

Fontes romanas, cristãs e germânicas da Idade Média

Qual seria a gênese da formação da Europa Medieval? Para responder a esta questão, o historiador francês François Guizot (1787-1874), de inclinação monárquica conservadora, escreveu um importante ensaio cultural e histórico, publicado em 1828, buscando desencavar no passado quais teriam sido as mais autenticas contribuições que viriam a forjar a Idade Média européia.


Guizot (in
‘Histoire de la civilization en Europe’, 1828) fez uma interessante observação mostrando como ao longo da sua história, Roma, que em sua origem era uma cidade-estado, avançou para estruturas mais avançadas como aquelas que Otávio Augusto estabelecera durante o principado e que se tornaram comuns ao império. A autonomia municipal dos primeiros tempos deu lugar a um Despotismo Administrativo: uma imensa rede de cidades esparsas ligadas pela lei civil, controladas por uma rede de funcionários hierarquicamente organizados e dispostos, vinculados estreitamente á Corte Imperial, a quem deviam obediência.
Paralelo a isto, estendia-se uma impecável organização militar formada por mais de 30 corpos legionários, acantonados nas províncias, que serviam como garantia da inviolabilidade das fronteiras.


Este procedimento de deixar de ser uma simples cidade-estado para consagrar-se como um algo supranacional – dominado pela ideia do poder absoluto - tornou-se o fator maior de distinção dos romanos se comparados com os gregos que nunca conseguiram romper com o localismo. Portanto, a idéia imperial – simbolizado pela águia que pairava sobre tudo - foi um dos maiores legados deixados por Roma às nações européias que a sucederam.

Governo representativo

Elementos romanos, cristãos e germânicos fundiram-se para erigir o medievo
Guizot ainda lembrou, que os imperadores romanos no estágio final do regime, quando as fronteiras se viam cotidianamente ultrapassadas pelas hordas germânicas, tentaram uma desesperada reforma na qual abdicavam do cetro em favor de um sistema parlamentar que de algum modo integrasse o municipalismo, que atasse as cidade a um destino em comum visando a defesa final.


Tanto Honório como Teodósio o jovem, em 418, ainda tentaram a formação de um governo representativo a ser implantado no sul da Gália como uma espécie de derradeira trincheira para deter o aluvião bárbaro que se aproximava. Todavia, nenhuma das urbes contatadas sentiu-se atraída pelo projeto deles, ou sequer enviou uma representação a Arles, local onde esperavam sedimentar a coligação inter-municipalista.


Este retorno delas às raízes primeiras de uma cidade-estado decretou o fim do império, desarticulando-o completamente. Guizot então concluiu que ‘ o império tombou porque ninguém queria pertencer ao império’.

O papel do cristianismo

O cavaleiro solitário (gravura de Dürer)
Naquele cenário desolador, no qual um império de mais de cinco séculos naufragava inapelavelmente, coube a Igreja Romana um papel extraordinário. Graças as suas instituições herdadas do império, aos seus bispos e seus párocos, ela conseguiu resistir à maré bárbara, servindo como a única instituição organizada e relativamente articulada que atuou para evitar o pior.


Posicionou-se como único vinculo confiável entre o velho mundo que desaprecia e o novo que surgia nas mãos dos bárbaros invasores, entre a civilização agonizante e o caos que se difundia. Com isto um novo poder emergiu: o poder eclesiástico. Entre o fim do município romano e a emergência do feudo medieval se interpôs a sé religiosa e a paróquia local.


Assumindo um papel temporal, foi a Igreja Romana que estabeleceu a separação entre o poder espiritual e o secular. Devido a sua enorme influencia moral ela conseguiu defender as comunidades dos efeitos mais nocivos e destrutivos da barbárie, afirmando acima de tudo a sustentação da lei divina, assim como bater-se pela liberdade de consciência.

A influência germânica

Todavia, para Guizot, nem tudo introduzido pelo bárbaro merecia ser colocado de lado. Os germanos tinham um arraigado gosto pela independência individual, o prazer de sentir-se homem, bem como o sentimento de personalidade e espontaneidade humana. O sistema do patronato militar deles não feria nem visava sufocar as liberdades dos guerreiros ou da comitiva que acompanhava o chefe nas batalhas (comitatus germanicus), pois mantinha a igualdade entre eles.


Ainda que se organizassem de acordo com princípios aristocráticos, pelo menos entre os nobres germanos havia um vinculo de homem para homem, a fidelidade de individuo para individuo (que se confirmava pela cerimônia de investidura e homenagem). Costume este que iria embasar as relações estreitas entre os integrantes da nobreza européia pelos séculos seguintes, se tornando a verdadeira marca característica dos tempos feudais.

Síntese das origens da Idade Média


Romanos: Regime municipal evoluindo para o imperial; legislação civil e defesa do poder absoluto.

Cristãos: Influencia moral; sustentação de uma lei maior de origem divina; separação do poder temporal do espiritual.

Germanos: Exaltação da independência individual; o patronato militar e a exigência dos vínculos de fidelidade.

Fonte:História por Voltaire Schilling