28.7.10

O Pecado: a Usura

Comerciantes praticando a usura

O Concílio de Viena de 1331 autorizou os tribunais da Inquisição a perseguir os cristãos que praticassem a usura. Note que a determinação não menciona se são cristãos novos ou velhos, abrangendo a todos que professem, forçosamente ou não, a fé católica. Com isso a igreja conseguiu livre arbítrio para setenciar á morte um usurário e ainda ficar com seus bens em troca da salvação de sua alma.

A palavra usura, em seu sentido atual, significa a cobrança de juros exorbitantes. Mas, no tempo medieval e mesmo no século XV, chamava-se usura a cobrança de juros de qualquer espécie ou como define Le Goff, a usura é um valor imposto sobre o poder aquisitivo, sem relação com a produção, freqüentemente mesmo sem relação com as possibilidades de produção.

A igreja condenava o usurário porque ele ganhava sobre um tempo que não lhe pertencia, o fruto de seu dinheiro não vinha de um trabalho suado, pois o seu ganho pressupõe uma hipoteca sobre um tempo que só a Deus pertence.

Os maiores usurários desta época eram os judeus e sobre eles é que recai, sob a figura do cristão-novo, a maior atuação do Tribunal do Santo Ofício, pois impossibilitados de exercer qualquer atividade nas guildas , este grupo procurou alternativas para sobreviver e a que lhe sobrou foi a de comercializar, o que muito bem sabia fazer, fornecendo empréstimos e cobrando juros sobre o dinheiro negociado, conforme o tempo que o negociante esperava para receber.

Entretanto, embora os judeus fossem os maiores representantes desta classe, os cristãos também praticavam a usura, fraudando de inúmeras maneiras a sua proibição. O fato é que muitos cristãos praticavam este pecado, trazendo para os adeptos de Cristo uma preocupação cada vez maior com os lucros e a concorrência que os judeus representavam.

Através da ordenança de Melum,de 1220 os judeus foram relegados à baixa usura, ou seja, só poderiam emprestar sob penhor, isto é, aos camponeses, aos artesãos ou à plebe. Assim, parece, que desde o princípio da prática da usura, o que era vinculado as heresias determinadas pelo Santo Ofício era um jogo de interesses, que reinava e se procedia conforme interessava para o equilíbrio da sociedade cristã.

O que se percebe é que havia uma preocupação, por parte da igreja católica, em colocar os negócios do povo hebreu em uma escala inferior em detrimento da ação dos usurários cristãos. No entanto, por mais que a igreja e a política vigente se esforçasse para conter a ação judaica, nada a impedia, tanto que, na França, no século XIII, Felipe, o Belo, expulsa os judeus de seu território, deixando, lamentações, por parte de quem se viu obrigado a negociar com os usurários cristãos. Tal tristeza é expressa em um poema, que se lamenta dizendo:

Toda gente pobre se queixa
Pois os judeus foram muito mais bondosos

Ao fazer seus negócios
Do que o são agora os cristãos
Pedem garantias e vínculos
Pedem penhores e tudo estorquem
A todos despojando e esfolando…
Mas se os judeus

Permanecessem no reino da França,

Os cristãos teriam tido

Muito grande ajuda, que agora
Não tem mais. (século XIII)

O que se lamenta, na verdade, é a presença de um negociante mais modesto, bemo como uma ajuda maior pois ao que tudo leva a crer é que com a expulsão dos judeus do território francês, até mesmo os cristãos usurários se viram coagidos, haja vista a perseguição, sempre presente, do Santo Ofício.

Em Portugal, a usura foi apenas mais um pretexto para que se perseguisse o judeu, que juntamente com suas práticas heréticas judaizantes, se tornavam alvo fácil para quem só queria enriquecer através da legitimidade de um órgão da igreja.

O Santo Ofício português começa atuar em um período propício, economicamente falando, para o restante do mundo europeu, pois o espírito capitalista começa dar seus primeiros passos e onde o comerciante tem influência, (…), a economia progride, a agricultura se desenvolve, as cidades se estruturam.

É neste momento, também que a economia na europa começa a girar e as rodas da fortuna começam a aparecer, através de lucros advindos, para a igreja católica, de maneira ilícita, pois o usurário ganha dinheiro sobre um tempo que só a Deus pertence, pois o tempo é um dom de Deus e não pode por isso, ser vendido , mas os tempos são outros e o tempo que a Idade Média opôs ao mercador é levantado no início do Renascimento. O tempo, que só pertencia a Deus, é agora propriedade do homem.

Nesta dinâmica de desenvolvimeto europeu é que Portugal instaura a Inquisição em seu território e funda seu império colonial além-mar. Mesmo que, a Inquisição tivesse se estabelecido neste território, sob a claúsula de que não se confiscasse bens de condenados, durante pelo menos dez anos. O certo é que os abusos foram cometidos e em nome do progresso que se instalava e propagava no restante da europa, Portugal viu na Inquisição e na prática do confisco de bens, a oportunidade para que o sonho dourado de estabilidade política e econômica se concretizasse através da salvação das almas.

Assim, além de utilizar seu poder para fazer crescer e avolumar o cofre de Deus, em troca da salvação das almas dos infiéis, o Santo Ofício infrigiu o maior dos mandamentos da lei de Deus: Não Matarás. E, embora, pela mentalidade medieval e inquisitorial, não fosse a igreja que executasse a sentença, mas sim o Estado. O fato é que era a igreja que julgava, torturava e, indiretamente, matava em nome de Deus, do Poder e da Política.

Fonte:http://www.galeon.com/projetochronos/chronosmedieval/inquisit/inq_peca.htm