31.1.11

HISTÓRIA DOS ÍNDIOS BRASILEIROS

RITUAIS INDÍGENAS

Uma grande parte dos rituais realizados pelos diversos grupos indígenas do Brasil pode ser classificada como ritos de passagem. Os ritos de passagem são as cerimonias que marcam a mudança de um indivíduo ou de um grupo de uma situação social para outra. Como exemplo, podemos citar aqueles relacionados à mudança das estações, aos ritos de iniciação, aos ritos matrimoniais, aos funerais e outros, como a gestação e o nascimento.

Entre os Tupinambá - grupo indígena extinto que habitava a maior parte da faixa litorânea que ia da foz do rio Amazonas à ilha de Cananéia, no litoral paulista, quando nascia uma criança do sexo masculino, o pai levantava-se do chão e cortava-lhe o umbigo com os dentes. A seguir, a criança era banhada no rio, após o que o pai lhe achatava o nariz com o polegar. Em seguida, a criança era colocada numa pequena rede, onde eram amarradas unhas de onça ou de uma determinada ave de rapina. Colocavam-se, ainda, penas da cauda e das asas dessa ave e, também, um pequeno arco e algumas flechas, para que a criança se tornasse valente e disposta a guerrear os inimigos.

O pai, durante três dias, não comia carne, peixe ou sal, alimentando-se apenas de certo tipo de farinha. Não fazia, também, nenhum trabalho até que o umbigo da criança caísse, para que ele, a mãe e a criança não tivessem cólicas. Três vezes por dia punha os pés no ventre da esposa. Nesses dias, o pai fazia pequenas arapucas e nelas fazia a tipóia de carregar a criança; tomava, também, o pequeno arco e as flechas e atirava sobre a tipóia, pescando-a depois com o anzol, como se fosse um peixe. Assim, no futuro, a criança caçaria ou pescaria. Quando o umbigo caía, o pai partia-o em pedacinhos e pregava-os em todos os pilares da oca, a fim de que o filho fosse, no futuro, um bom chefe de família. O pai também colocava aos pés da criança um molho de palha, que simbolizava os inimigos. Quando todas essas práticas tinham sido realizadas, a aldeia por inteiro se entregava às comemorações. Nesses dias, era escolhido um nome para o recém-nascido.

Através desse rito de incorporação, o pai assumia a paternidade e se reconhecia ao recém-nascido, um lugar na sociedade Tupinambá, como homem ou mulher.

Cabe destacar que nesses rituais ligados à gestação e ao nascimento não só a criança, como também seus pais, eram submetidos ao ritual de passagem. O reconhecimento da gravidez da mulher punha o pai e a mãe num estado de cuidados especiais, separando-os, de certo modo, pela maneira de se comportar, dos demais habitantes da aldeia. Ficavam, assim, segregados até que a criança nascesse e os ritos de sua incorporação fossem realizados, momento em que eles eram reintegrados à vida normal, desempenhando um novo papel social: pai e mãe de um novo membro da sociedade.

SOCIALIZAÇÃO DAS CRIANÇAS

Todas as sociedades humanas constróem brinquedos para suas crianças. Os brinquedos construídos e utilizados nas sociedades indígenas, no Brasil, variam de acordo com as matérias-primas encontradas no meio ambiente em que esses grupos vivem, sendo que os brinquedos mais comuns são feitos de palha, madeira ou barro. As mulheres Karajá costumam fabricar minibonecas de barro para suas filhas brincarem.

É muito comum também os adultos fabricarem para suas crianças dobraduras de palha representando os animais da floresta, ou elementos que estão presentes no dia-a-dia, como os aviões, que sobrevoam as aldeias. Hoje também é comum as crianças indígenas pedirem aos seus pais bonecas e bolas de plástico quando estes vão às cidades.

Os brinquedos são, em geral, miniaturas de objetos do uso cotidiano de cada sociedade e têm como objetivo divertir as crianças e educá-las para o desempenho das tarefas que irão realizar quando adultas.

Nas sociedades indígenas, a organização do trabalho se baseia na divisão das tarefas por sexo. As crianças, desde cedo, aprendem a lidar com essa regra em suas brincadeiras e pequenas tarefas.

Os bebês, até aprenderem a andar, vivem aconchegados junto ao corpo da mãe, no macio da tipóia de algodão, feita especialmente para carregá-los, ou na rede. Já as crianças pequenas, de até 3 ou 4 anos, brincam com outras crianças de ambos os sexos e se divertem com seus brinquedos ou com algum cesto velho, já sem utilidade. Mas estão sempre próximas às mães, pois costumam ser amamentadas até essa idade. É comum, também, que uma irmã mais velha, adolescente, tome conta das crianças menores, enquanto a mãe prepara os alimentos.

A partir dos 4 anos, aproximadamente, uma menina Wayana e Apalaí, do norte do Pará, ganha de seu pai um pequeno cesto cargueiro, confeccionado com finas tiras do arbusto arumã, especialmente para ela. É seu primeiro trançado, dos muitos que receberá ao longo de sua vida. Cabe às mulheres e às meninas Wayana a utilização dos cestos e vários outros tipos de trançados para a realização das tarefas domésticas. Cabe exclusivamente aos homens e aos meninos Wayana e Apalaí a sua confecção. Com o seu cesto, a menina Wayana irá brincar e acompanhar a mãe, a tia e a avó à roça.

Através da imitação, brincando de arrancar batatas e transportando-as para a aldeia em seu cesto cargueiro, as meninas vão aprendendo o trabalho feminino, em especial o processo de fabricação do beiju, uma espécie de panqueca de mandioca muito consumida pelos povos indígenas brasileiros.

Os meninos Wayana, com aproximadamente 4 anos, recebem sua primeira tanga vermelha. De seu pai, recebem um pequeno arco e diversas flechas, com os quais irá brincar e se divertir. Por volta dos 7 ou 8 anos, os meninos possuem rede própria e já circulam sozinhos pelos arredores da aldeia. A independência em relação a sua mãe é completa podendo então passar a acompanhar o pai ou o irmão mais velho em caçadas, pescarias e incursões na floresta, dando início ao longo processo de aprendizagem das tarefas masculinas.

Os jovens devem exercer e dominar as tarefas próprias de seu gênero, masculino ou feminino, e de sua idade. As atividades que irão desempenhar na vida adulta lhes são ensinadas ao longo dos anos, no acompanhamento e observação da realização das tarefas desempenhadas por seus pais, prestando-lhes também ajuda.

As principais atividades do universo feminino a serem aprendidas pelas meninas, que as exercerão plenamente quando adultas, consistem basicamente na plantação, colheita e conservação da roça, transporte de lenha e preparo dos alimentos, preparação das bebidas fermentadas, fiação do algodão, confecção de redes, cerâmica e educação das crianças.

As principais atividades do universo masculino a serem aprendidas pelos meninos, que as exercerão quando adultos, são basicamente preparo do terreno para o plantio, caça, confecção de arco e flecha, cestaria, confecção de enfeites plumários, construção de casas. Em geral, as atividades ligadas à pesca com timbó são realizadas por ambos os sexos.

O período de reclusão ritual a que são submetidos os jovens de ambos os sexos varia em cada sociedade. Esse período marca o término do que é considerado como adolescência, nas sociedades indígenas, que para as meninas acontece, geralmente, quando vem a primeira menstruaão.

Ao atingir a puberdade, os jovens do sexo masculino e feminino devem se dedicar a aprimorar as técnicas de seus afazeres, pois estarão aptos para o casamento e, portanto, para a vida adulta, tendo-se completado o processo de socialização.

Nas culturas indígenas, o processo de socialização das crianças é considerado tarefa de todos, cabendo às mães e aos pais a orientação nas tarefas e comportamentos que a comunidade espera desse novo membro do grupo. Cabe às crianças brincar e ter sua mãe sempre por perto para protegê-las, sem jamais levantar a voz, brigar ou bater-lhes. Uma boa mãe e um bom pai educam com autoridade, desenvolvendo na criança a atenção e a observação pessoal, bem como a importância da repetição de uma tarefa até a sua plena aprendizagem. Cabe a todos desenvolver na criança o senso de responsabilidade e o respeito ás regras sociais de sua comunidade.

TECNOLOGIA E CULTURA MATERIAL

A sociedade brasileira em seu período de formação, nos primeiros anos do descobrimento e durante a época colonial, utilizou-se, amplamente, dos artefatos indígenas para a sua própria sobrevivência, dada a existência de numerosas populações indígenas habitando o país no litoral e no interior. Um dos vários e importantes legados dessas sociedades a nossa cultura é o mobiliário indígena, em especial o banco e a rede. A rede está entre os artefatos da cultura material das sociedades indígenas mais utilizados pela sociedade brasileira desde o século dezesseis até hoje.

Chamamos de tecnologia o estudo de todos os objetos criados pelos grupos humanos visando à sua melhor adaptação no tempo e espaço em que vivem. É através da fabricação dos objetos que os grupos humanos interagem com o seu meio ambiente, utilizando-se dele e imprimindo-lhe a sua marca.

A produção de variados objetos da cultura material, ferramentas, instrumentos, utensílios e ornamentos, com os quais um grupo humano busca facilitar sua sobrevivência, está ligada à escolha e utilização das matérias-primas disponíveis; ao desenvolvimento da técnica adequada de manufatura; às atividades envolvidas na exploração do ambiente e na adaptação ecológica; à utilidade e finalidade prática dos objetos e instrumentos produzidos. Estão presentes, também, elementos de ordem simbólica, ligados às concepções religiosas, estéticas e filosóficas do grupo.

Embora a humanidade tenha criado objetos bastante semelhantes, cada povo, ou grupo étnico, com seu jeito de viver, inteligência e criatividade, tem desenvolvido tendências próprias, objetos e técnicas totalmente distintas de outros grupos. Assim, a diversidade se faz presente, pois cada povo construiu, através de sua unidade política, econômica e religiosa, bem como de sua língua e forma de sociabilidade, a sua especificidade, o que torna único e diferente dos demais.

Entendendo a cultura de um povo como um código simbólico compartilhado por todos os homens, mulheres e crianças do mesmo grupo social, as sociedades indígenas não separam, dentro de sua experiência coletiva, a produção de um objeto da cultura material da produção artística, como costumamos fazer em nossa visão ocidental. Nas culturas indígenas, todo objeto, seja utilitário, ornamental ou ritual ( mágico - religioso), É também um objeto de arte, pois está plenamente integrado em todos os campos da ação humana, das prááticas sociais. Uma rede, uma casa, um banco, um cesto, uma panela são bons e belos se realizados dentro dos parâmetros compartilhados por todos os indivíduos daquela sociedade. Nesse contexto, também são apreciadas as novidades estéticas internas-meio-ambiente e externas, fruto das mudanças da vida cotidiana, que cada indivíduo pode acrescentar ao modo de fazer um objeto.

TERRITÓRIO INDÍGENA

Para os índios, a terra é um bem coletivo, destinada a produzir a satisfação das necessidades de todos os membros da sociedade. Todos têm o direito de utilizar os recursos do meio ambiente, através da caça, pesca, coleta e agricultura. Nesse sentido, a propriedade privada não cabe na concepção indígena de terra e território. Embora o produto do trabalho possa ser individual, as obrigações existentes entre os indivíduos asseguram a todos o usufruto dos recursos.

A Constituição do Brasil elaborada em 1988, em seu artigo 231, reconhece aos índios, o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam. As terras, tradicionalmente, ocupadas pelos índios são aquelas por eles habitadas em caráter permanente, as que são utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos costumes e tradições.

Entre os Mundurucu, o produto da roça, da caça e da pesca é considerado propriedade da pessoa que tem as roças e que matou os animais. Contudo, o sistema de distribuição faz com que toda a comida que entre na casa seja partilhada pela família extensa e, havendo excedentes, as demais casas da aldeia também receberão a sua parte.

Para os Kaingang, a unidade territorial constitui-se de um espaço físico composto por serras, campos, florestas e rios, onde os índios podem exercer suas atividades de caça, pesca, coleta e plantio de milho, abóbora, feijão e batata-doce. Este território constitui um espaço de perambulação cíclica dos grupos que desenvolvem suas atividades de subsistência material e social. Cada grupo local possui um subterritório próprio, com direito à sua exploração, segundo regras determinadas culturalmente. As visitas entre parentes dos diferentes grupos locais eram muito freqüentes e a recepção ( à margem dos rios, na soleira da casa ) era feita ritualmente. Portanto, uma tribo se distribuía em vários grupos locais, formando subterritórios que eram socialmente interligados e cada grupo possuía sua área de perambulação e exploração.

O território é fonte permanente de socialização para os índios. Trocam-se notícias sobre caçadas, abundância ou escassez de um determinado produto, sobre os aspectos sobrenaturais da floresta, dos rios ou das montanhas, acerca do encontro com espíritos na mata, etc. O território não é, afinal, apenas fonte da subsistência material, mas também lugar onde os índios constroem sua realidade social e simbólica.

Fonte: www.museudoindio.org.br