27.5.11

A Historiografia

PROGRESSOS E RETROCESSOS DA HISTORIOGRAFIA
Por Cristiano Catarin

Introdução

Diante das transformações mundiais registradas em ritmos cada vez mais acelerados, diante da renovação das “permanências”, dos valores e ações do homem, diante do resgate do tempo e do espaço, a escrita da história depara-se com um novo desafio e uma feliz proposta disposta a abordar as mais diversas intervenções do homem ou dos homens em diferentes períodos e circunstâncias, sem privilegiar personagens “ilustres”. Existe uma tendência consciente e decidida em problematizar e considerar as relações estabelecidas também no passado das resistências, das manifestações, dos personagens “iletrados”. Essa tendência procura visitar o “instante” e o “momento”, objetivando o sentido do tempo e das manifestações do homem neste mesmo tempo em relação á outros tempos.

Um passado sem futuro

A história positivista defendida por F. Simiand e P. Lacombe no século XIX representava e considerava o passado imutável, disposto a valorizar dimensões políticas e grandes personagens históricos da humanidade, era a chamada “história oficial”. Esta teoria positivista desconsiderava também as mudanças e inovações ocorridas, de maneira dinâmica, no âmbito privado. A história positivista e “tradicional” sempre buscou e defendeu uma representação unilateral do real e da “verdade histórica”. Uma nova tendência, uma nova maneira de se registrar a história percebeu-se que a dimensão positivista não dá conta de ampliar os elementos que estão envolvidos nos processos históricos.

A história positivista, factual e tradicional do século XIX mostrou-se insuficiente para atender os objetivos da atual produção historiográfica. O historiador Marc Bloc sempre defendeu a consideração e existência de um passado mutável e problemático, que, por meio da investigação histórica, permite representar (pesquisar) o homem agindo dentro de seu tempo ou tempos.

Bloch foi um dos precursores a defender uma nova formatação da pesquisa histórica por meio da chamada “Nova História”, considerando novas forças e uma nova visão do passado que não está alienado da interpretação, pois tem sim um sentido e diferentes representações a serem trabalhadas pelo historiador contemporâneo.

Uma nova abordagem histórica

Para o historiador Marc Bloch o passado deve ser abordado de outra maneira, valorizando outros elementos que compõe a história. O homem é um personagem histórico que não é imutável e sim dinâmico em seu tempo. A história positivista não considera relevante o contexto histórico inserido em diferentes personagens e representações do fato e sim numa única versão ou única “verdade”.

A revista dos annales criada por Bloch e Lucien Febvre ganhou sua primeira edição em 1929, “dando origem a um novo movimento de renovação da historiografia francesa e que está na base do que hoje chamamos de [nova história]”. Trata-se também de uma nova maneira de registrar e interpretar a história, trabalhando com múltiplas representações. A renovação caminha ao lado da inovação, ambas precisam constantemente consultar a história para serem bem sucedidas em seus objetivos de representar as “mudanças” e também o futuro.

A história para “todos”

A historiografia contemporânea felizmente está demonstrando disposição para a consideração de uma amplitude de temas. A escrita da história está ganhando novos espaços e também novos instrumentos, estabelecendo, por exemplo, diálogos interdisciplinares com outras importantes áreas do o conhecimento como a sociologia, a antropologia, a física, a economia, a geografia, etc. Esta dimensão reúne a capacidade de formatar um processo de investigação cada vez mais apurado e consciente do passado histórico, valorizando diferentes elementos da cultura humana no âmbito público e privado. As tendências da historiografia contemporânea estão revelando que a história do “outro” também contém significados e representações muito relevantes para compreensão do processo e “recorte” das ações do homem no tempo.

Esta preocupação historiográfica apresenta novos métodos de abordar o passado e suas múltiplas representações e integrações intelectuais, compondo a chamada “história cultural”.

Para o historiador Ronaldo Vainfas a história cultural “não recusa de modo algum as expressões culturais das elites ou classes [letradas], mas revela especial apreço, tal como a história das mentalidades, pelas manifestações das massas anônimas: as festas, as resistências, as crenças heterodoxas...”.

Vainfas diz ainda que este gênero historiográfico representa um refúgio da história das mentalidades, abordando a consideração do “mental”, sem contudo, desconsiderar a história como disciplina ou ciência, procurando corrigir os defeitos teóricos, segundo ele, deixados pela história das mentalidades. Para Vainfas a história cultural “... revela uma especial afeição pelo informal e, sobretudo, pelo [ popular]”.

A dinâmica do passado

Falar de história sempre implica em grande responsabilidade e, sobretudo, cautela frente às novas tendências historiográficas e novos elementos que vem sendo abordando e incorporando historicamente.

Quem já não se deparou com a frase: a história é a ciência que estuda o passado para melhor compreender o presente, talvez na tentativa de não cometer os mesmos erros do passado no futuro.
Para o historiador Marc Bloch esta afirmação é pobre e incorreta. Limitar a história ao conhecimento e deslocamento ao passado não explica a complexidade contida na abordagem das mudanças proferidas pelo homem, ou pelos homens, no tempo ou nos períodos. Qualquer vestígio de alteração provocada por um ato social, por menor que este seja, compromete-se com a história. Bloch diz ainda que “a própria idéia de que o passado, enquanto tal, possa ser objeto de ciência é absurda. Como, sem uma decantação prévia, poderíamos fazer, de fenômenos que não tem outra característica comum a não ser não terem sido contemporâneos, matéria de um conhecimento racional?”

A aceitação e consideração de “todos” os elementos contidos numa representação do passado é uma característica das tendências da historiografia contemporânea. A chamada história cultural trás para si um sólido comprometimento com os paradigmas e transformações do passado, desconstruindo uma abordagem imutável e pobre de significados.

Para Hobsbawm “o passado é uma dimensão permanente da consciência humana, um componente inevitável das instituições, valores e outros padrões da sociedade humana.” Hobsbawm entende ainda que o historiador tem a responsabilidade de abordar a origem do “sentido do passado”. Esta responsabilidade empregada ao historiador revela a necessidade da utilização das considerações da história cultural. Por outro lado, isto não significa uma desconsideração por completo da história positivista ou tradicional. A história cultural tem a capacidade de considerar tais elementos (que eram abordados frequentemente) e ampliar a “esfera” de significados que permeiam as representações do passado histórico.

Apesar do ritmo avassalador das mudanças contemporâneas, o passado, segundo Hobsbawm ainda é uma ferramenta fundamental para lidar com tais mudanças, porém, de uma nova forma. O passado (se converte) “na descoberta da história como um processo de mudança direcional, de desenvolvimento ou evolução”.

A história e o futuro

A inovação beneficia-se da história para elaboração do processo de significados e também da estruturação da forma do futuro.

Para Hobsbawm a história é dinâmica de tal forma que consegue reunir a capacidade de colaborar com previsões teleológicas. Por mais dinâmico e acelerado que sejam os ritmos da humanidade contemporânea que tem alcance a altíssimos níveis de tecnológica, ainda assim, as estruturas intelectuais recorrem à história como mecanismo imprescindível na elaboração e re-elaboração de significados e representações do real. Há história em toda ação social, independente do ritmo aplicado conseqüente duma transformação de curta ou longa duração.

Concomitante a esta apresentação, não deixa de ser intrigante o fato de procuramos entender a história como instrumento de apoio na “previsão” de aspectos futuros. Vejamos o que o historiador Eric Hobsbawm diz a respeito:

“ ..., passado, presente e futuro constituem um continuum. Todos os seres humanos e sociedades estão enraizados no passado – o de suas famílias, comunidades, nações ou outros grupos de referencias, ou mesmo de memória pessoal – e todos definem sua posição em relação a ele, positiva ou negativamente. Tanto hoje como sempre: somos quase tentados a dizer “hoje mais que nunca”. E mais, a maior parte da ação humana consciente, baseada em aprendizado, memória e experiência, constitui um vasto mecanismo para comparar constantemente passado, presente e futuro. As pessoas não podem evitar a tentativa de antever o futuro mediante alguma forma de leitura do passado. Elas precisam fazer isto. Os processos comuns da vida humana consciente, para não falar das políticas públicas, assim o exigem. E é claro que as pessoas o fazem com base na suposição justificada de que, em geral, o futuro está sistematicamente vinculado ao passado, que, por sua vez, não é uma concatenação arbitrária de circunstancias e eventos. As estruturas das sociedades humanas, seus processos e mecanismos de reprodução, mudança e transformação, estão voltadas a restringir o numero de coisas passiveis de acontecer, determinar algumas das coisas que acontecerão e possibilitar a indicação de probabilidades maiores ou menores para grande parte das restantes.”

Considerações finais

Os rumos anunciados pela historiografia contemporânea estão gerando expectativas consistentes para historiadores favoráveis as abordagens estabelecidas pelo gênero, por exemplo, da história cultural. Alguns estudiosos mencionam um retorno da narrativa. Para o historiador Ronaldo Vainfas a história sempre foi uma narrativa, independente das opiniões recentes de pesquisadores acadêmicos. O fato é que a história está acumulando, com o passar do tempo, maior credibilidade e estrutura metodológica.

Bibliografia de apoio

HOBSBAWM, Eric (1997) Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras

BLOCH, Marc (2001) Apologia da História ou Oficio de Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor

CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo (orgs.) [1997] Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus