12.8.11

Influências na arte brasileira no século 19

Valéria Peixoto de Alencar*



Reprodução

Detalhe de A Coroação de D. Pedro I, de J.B. Debret

Em 1816, durante a estada da família real portuguesa no Brasil, chega ao Rio de Janeiro um grupo de artistas franceses com a missão de ensinar artes plásticas na cidade que era, então, a capital do Reino unido de Portugal e Algarves. O grupo ficou conhecido como Missão artística francesa.

O convite teria para a vinda do grupo teria partido de Antonio Araújo Azevedo, Conde da Barca, ministro de dom João 6o.Preocupado com o desenvolvimento cultural da colônia que havia se transformado em capital, o rei trouxe para cá material para montar a primeira gráfica brasileira, onde foram impressos diversos livros e um jornal chamado "A Gazeta do Rio de Janeiro".

Já a missão tinha o objetivo de estabelecer o ensino oficial das artes plásticas no Brasil, e acabou influenciando o cenário artístico brasileiro, além de estabelecer um ensino acadêmico inexistente até então.

A missão foi organizada por Joaquim Lebreton e composta por um grupo de artistas plásticos. Dela faziam parte os pintores Jean-Baptiste Debret e Nicolas Antoine Taunay, os escultores Auguste Marie Taunay, Marc e Zéphirin Ferrez e o arquiteto Grandjean de Montigny. Esse grupo organizou, em agosto de 1816, a Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios, transformada, em 1826, na Imperial Academia e Escola de Belas-Artes.

Os artistas da Missão Artística Francesa pintavam, desenhavam, esculpiam e construíam à moda européia, obedecendo ao estilo neoclássico.

Principais pintores da missão


Jean Baptiste Debret, Negros e mulatos coletando esmolas, Viagem Pitoresca e histórica ao Brasil, 1834

  • Nicolas-Antonine Taunay: (1775-1830) pintor francês de grande destaque na corte de Napoleão Bonaparte e considerado um dos mais importantes da Missão Francesa. Durante os cinco anos em que esteve no Brasil, retratou várias paisagens do Rio de Janeiro.

  • Jean-Baptiste Debret: (1768-1848) foi chamado de "a alma da Missão Francesa". Era desenhista, aquarelista, pintor cenográfico, decorador, professor de pintura e organizador da primeira exposição de arte no Brasil (1829). Em 1818, trabalhou no projeto de ornamentação da cidade do Rio de Janeiro para os festejos da aclamação de dom João 6o como rei de Portugal, Brasil e Algarves.

    Em "Viagem Pitoresca ao Brasil", coleção composta de três volumes com um total de 150 ilustrações, Debret retrata e descreve a sociedade brasileira. Seus temas preferidos são a nobreza e as cenas do cotidiano brasileiro. Sua obra dá uma excelente idéia da sociedade brasileira do século 19, como se vê na figura acima.


  • Reprodução

    A representação idealizada do índio é uma característica dos neoclássicos

    Com a vinda da família real, em 1808, o Brasil passou de colônia a Reino Unido de Portugal. Depois, com a independência, em 1822, tornou-se, pelo período de 67 anos (até a proclamação da República, em 1889), um império independente.

    Durante trezentos anos, nosso país foi essencialmente agrário e explorador de ouro, atividade que já começava a declinar no início do século 19. Um princípio de modernização, contudo, teve início com a chegada da corte portuguesa. A capital, Rio de Janeiro, passou a ser transformada segundo padrões parisienses. Seguindo esse objetivo, dom João 6º convidou vários artistas, a conhecida Missão Artística Francesa, para que se estabelecessem no Brasil, com o objetivo de impulsionar o ensino da arte e a produção artística do nosso país, numa época ainda marcada pelo barroco. Esses artistas tinham como modelo oneoclassicismo.

    Dentre esses artistas, destacamos neste texto Jean Baptiste Debret, figura fundamental, responsável por registrar parcela significativa das mudanças sociais daquela época, retratando os membros da monarquia, o povo, os costumes e vário aspectos da cultura. Os artistas da Missão Artística Francesa ajudaram a construir todo um imaginário sobre aquela época. Mas o que isso quer dizer?

    O que é imaginário?

    Quando falamos de "imaginário", estamos nos referindo à reunião de elementos característicos da vida, da cultura de um grupo de pessoas, de um povo ou de uma nação. Por exemplo, pense nas gírias que você fala: de onde elas surgiram? Pense nas músicas que você ouve e nos filmes que você vê, ou, ainda, como era a roupa do Super-Homem nos quadrinhos da década de 1950 e como ela é hoje. Existe uma cultura típica do nosso tempo, da mesma forma que nos comportamos de uma maneira completamente diferente da de nossos avós, por exemplo.

    Ninguém, atualmente, diz que uma pessoa bonita é um "broto", gíria típica dos nossos avós, e a roupa do Super-Homem é completamente diferente daquela usada pelo personagem de histórias em quadrinhos quando as primeiras revistas começaram a aparecer. Da mesma forma, uma mulher usar calças na corte de dom João 6º seria um comportamento imoral, inaceitável.

    Ou seja, há costumes próprios de cada tempo, de cada época. E os artistas de um determinado período da história contribuem para o imaginário que construímos sobre essa época. Assim, as leituras e as interpretações que fazemos das imagens, das pinturas e das esculturas do passado estão marcadas pelas escolhas e pelos estilos desses artistas, mas também pelos nossos valores, pelas nossas crenças atuais, que formamos ao longo da nossa vida.

    Jean Baptiste Debret

    Debret documentou os acontecimentos da história brasileira no início do século 19. Ele e os membros da corte tinham consciência da importância da circulação de gravuras tratando de diferentes aspectos da vida no Brasil. Ou seja, eles se preocupavam com a divulgação da imagem do Brasil no exterior, principalmente pelo fato de o Brasil não ser mais apenas uma colônia, mas Reino Unido de Portugal.

    Debret seria importante mesmo depois da Independência. Ele soube se transformar no pintor comemorativo oficial do império. Observe, por exemplo, no texto Influências na arte brasileira no século 19, o detalhe da obra "Coroação de D. Pedro 1º". Desde a morte de dom Sebastião, em 1578, nenhum rei português era retratado com a coroa colocada na cabeça, mas segurando-a ao lado do tronco, como se apenas o próprio dom Sebastião a merecesse, quando retornasse (dom Sebastião morreu na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, mas seu corpo jamais foi encontrado, o que deu início a um movimento chamado "sebastianismo", cujos seguidores acreditavam na volta messiânica de dom Sebastião).

    Na pintura de que falamos acima, contudo, dom Pedro usa a coroa. Como você acha que isso foi percebido na época? Com certeza, serviu para enaltecer a figura do novo imperador e colaborou para a criação da imagem de dom Pedro como um herói.

    Mas Debret não gravou apenas momentos que ele considerava importantes para a história ou cenas da vida da família real. Ele também documentou o cotidiano de pessoas comuns, sempre com um olhar neoclássico e, segundo alguns autores, já adotando a estética do romantismo.

    Para entendermos a influência de Debret sobre o nosso imaginário, vamos observar e comparar a imagem do índio no início deste artigo e a do negro, que vem a seguir:


    Reprodução


    Como o índio está representado? E os negros?

    A representação do índio é totalmente idealizada. Para Debret e outros pintores neoclássicos, os índios são sempre fortes, com traços bem definidos, e estão sempre em cenas heróicas. Quanto aos escravos, ainda que sendo punidos, as cores da pintura minimizam o drama do castigo, e a senzala, local onde provavelmente estão, encontra-se inclusive limpa, iluminada.

    Será que vem daí o fato de esquecermos, muitas vezes, que houve escravidão indígena no Brasil? Ou, ainda, viriam dessas imagens a idéia de que os índios eram fortes e não se deixavam escravizar? Embora a escravidão africana tenha sido muito maior, em termos de número de escravos, os índios também foram escravizados, principalmente no período do bandeirismo.

    Com relação aos negros, dificilmente vemos a representação de negros revoltosos e descontentes com sua situação de cativos. Normalmente, eles estão trabalhando - e, quando castigados, têm um olhar resignado. Será que vem daí a idéia de uma "democracia racial" no Brasil?

    Diversos fatores contribuem para a construção do imaginário sobre determinada época, mas, certamente, a comunicação visual - por meio de pinturas e gravuras, ou da fotografia, da tevê e do cinema - tem uma força muito grande.
    Reprodução

    Fachada da Academia Imperial de Belas-Artes fotografada por Marc Ferrez em 1891

    Grandjean de Montigny (Paris, 1776 - Rio de Janeiro, 1850) foi um arquiteto de prestígio na Europa, tendo executado projetos na Itália, na França e na Alemanha. Ele veio para o Brasil em 1816, como integrante da Missão Artística Francesa, com a incumbência de projetar e construir o prédio da Academia Imperial de Belas Artes, que foi inaugurado em 1826. Na academia, foi professor de arquitetura - o primeiro do Brasil.

    Arquitetura neoclássica

    Observe a imagem do Partenon no texto O significado das construções. Agora, veja uma foto da fachada da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, que ilustra a abertura deste artigo.

    Quais as semelhanças entre as duas imagens? O frontão (conjunto arquitetônico de forma triangular que decora e encima a fachada principal de um edifício), ainda que parcialmente em ruínas no Partenon, é claramente a inspiração para o realizado na fachada da Academia, bem como as colunas.

    Percebe-se, portanto, que Montigny, como os artistas, pintores e escultores integrantes da Missão Francesa, seguia o estilo neoclássico em seus projetos. Infelizmente, o prédio da Academia de Belas Artes foi demolido em 1937. O pórtico se manteve, no entanto, e foi levado para o Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

    Hoje em dia, ainda é possível ver o projeto mais importante de Montigny, pois o edifício para a Praça do Comércio do Rio de Janeiro continua está de pé. Foi encomendado por dom João 6º e realizado entre 1819 e 1820. Atualmente, abriga a Fundação Casa França-Brasil.



    Divulgação
    Fachada do edifício da Praça do Comércio, atualmente Fundação Casa França-Brasil


    Ao contrário da Academia Imperial de Belas Artes, podemos ver que a fachada é simples e, exceto pelo frontão, pouco lembra o estilo clássico do Partenon. O enorme espaço interno, contudo, é claramente inspirado nas basílicas cívicas romanas. Observe:



    Divulgação
    Interior do edifício da Praça do Comércio, atualmente Fundação Casa França-Brasil


    Veja a presença das colunas e note como, no centro do edifício, há uma cúpula, com uma abertura, que permite a entrada de luz. Esse projeto é diferente de tudo que se havia feito no Rio de Janeiro até então.

    Muitos dos projetos de Montigny não saíram do papel. Outros foram demolidos. Restaram apenas, além do pórtico da Academia Imperial de Belas Artes e do edifício da Praça do Comércio, um chafariz e a residência particular do arquiteto, na Gávea - todos no Rio de Janeiro. Ainda assim, a importância de Montigny para a arquitetura brasileira é imensa. Como professor na Academia, formou novos profissionais, que souberam dar ao Brasil uma linguagem arquitetônica moderna.
    Fonte:
    UOL Educação