30.9.11

Euclides da Cunha

Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu em Cantagalo, município do Rio de Janeiro, em 20 de janeiro de 1866. Órfão, foi criado por tias na Bahia, onde fez os primeiros estudos. Mais tarde, matricula-se na Escola Politécnica do Rio, transferindo-se depois para a Escola Militar. Positivista e republicano, desacata o então Ministro da Guerra, sendo expulso do estabelecimento em 1888. No ano seguinte, após a proclamação da República, reingressa na Escola Superior de Guerra, formando-se em Engenharia Militar e Ciências Naturais. Em 1896, discordando dos rumos tomados pela República, desliga-se definitivamente do exército. Em 1897, abandona o Rio de Janeiro, fixando-se em São Paulo. Como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, é enviado a Canudos, na Bahia, para cobrir a revolta que lá explodira; de volta a São Paulo, desliga-se do jornal. Em seguida, é chamado para planejar a construção de uma nova ponte em São José do Rio Pardo, interior de São Paulo. Nessa época, redige Os sertões, publicado em 1902.
Em 1903 é eleito membro do Instituto Histórico e Geográfico e da Academia Brasileira de Letras. Entre 1905 e 1906, designado para tratar de problemas de fronteira no norte do país, estuda profundamente Amazônia. Retornando ao Rio de Janeiro, é nomeado professor de Lógica no Colégio Pedro II. É assassinado no Rio de Janeiro, no dia 15 de agosto de 1909.
Embora apresente uma visão de mundo profundamente determinista - no prefácio de Os sertões cita Hypolite Taine, o "pai do determinismo" -, cientificista e naturalista, Euclides da Cunha deve ser estudado como um pré-modernista pela denúncia que faz da realidade brasileira, trazendo à luz, pela primeira vez em nossas letras, as verdadeiras condições de vida do Nordeste brasileiro. Daí o caráter revolucionário de Os sertões, como se pode ver na apresentação da obra, feita pelo autor:
"Intentamos esboçar, palidamente embora, ante o olhar de futuros historiadores, os traços atuais mais expressivos das sub-raças sertanejas do Brasil."
Para tanto, trata em sua obra da Campanha de Canudos, documento vivo dos contrastes entre o Brasil que "vive parasitariamente à beira do Atlântico" e aquele outro Brasil dos "extraordinários patrícios" do sertão nordestino. Ao mesmo tempo, para ele Canudos é um símbolo dos erros cometidos pela República, que avaliou de forma equivocada os problemas nacionais - a revolta no sertão baiano foi considerada um foco monarquista que colocava em risco a vida republicana.
Em seus primeiros artigos sobre Canudos, quando estava na redação de O Estado de S. Paulo, Euclides da Cunha tachava a revolta liderada por Antônio Conselheiro de "foco monarquista", embora já demonstrasse preocupação com as condições subumanas do povo da região. Nessa época, sua visão era influenciada pelas informações que recebia, as quais primeiramente passavam por um "filtro" no Rio de Janeiro. Só quando pisou o solo baiano, como correspondente de guerra do jornal paulista, é que compreendeu o drama de Canudos em toda a sua extensão e o porquê daquela rebelião: percebeu que não se tratava de uma luta por um sistema de governo, mas sim contra uma estrutura que já se arrastava por três séculos. Afirma o autor:
"(...) Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo."
Este é um outro importante aspecto do livro - a denúncia do extermínio de aproximadamente 25 mil pessoas no interior baiano. Se a princípio pretendia apenas fazer um relato da luta, Euclides da Cunha acabou realizando um verdadeiro painel do sertão , nordestino. A obra é dividida em três partes:
• A terra - Uma detalhada descrição da região, respaldada em seus amplos conhecimentos das Ciências Naturais: a geologia, o clima (há um capítulo intitulado "Hipóteses sobre a gênese das secas") e o relevo. Essa parte é ilustrada por mapas do relevo e da hidrografia feitos pelo próprio Euclides da Cunha.
• O homem - Um elaborado trabalho sobre a etnologia brasileira: a ação do meio na fase inicial da formação das raças, a gênese dos mestiços; uma brilhante análise de tipos distintos, como o gaúcho e o jagunço; nesse cenário introduz a figura mística de Antônio Conselheiro. Ao falar sobre o homem do sertão, Euclides da Cunha criou um verdadeiro bordão: "O sertanejo é, antes de tudo, um forte".
• A luta - Só nesta terceira parte da obra Euclides relata o conflito; nas duas primeiras descreve o cenário e os personagens. Dessa forma, justifica a luta. Seu relato do dia-a-dia da guerra é a denúncia de um crime.
Assim, Euclides da Cunha vai colocar-nos diante de um país diferente do que até então se costumava retratar: a um Peri, a uma Iracema, a um tupi de "I-Juca Pirama", contrapõe o sertanejo, o jagunço, a "sub-raça". Sem dúvida, "o sertanejo é, antes de tudo, um forte", por conseguir sobreviver em condições tão adversas.
Antônio Conselheiro - representante natural do meio em que nasceu
A história de Antônio Conselheiro, ou melhor, Antônio Vicente Mendes Maciel, começa no sertão cearense, numa luta entre a rica família dos Araújos e a família Maciel, de pequenos criadores de gado; esse conflito durou um século, como tantos pelo interior nordestino. Antônio Vicente nasceu em meio a essa disputa, e em 1855 vamos encontrá-lo em Quixeramobim, levando uma "vida corretíssima e calma".
"A partir de 1858 todos os seus atos denotam uma transformação de caráter. Perde os hábitos sedentários. Incompatibilidades de gênio com a esposa ou, o que é mais verossímil, a péssima índole desta, tornam instável a sua situação.
Em poucos anos vive em diversas vilas e povoados. Adota diversas profissões."
Algum tempo depois, "foge-lhe a mulher, raptada por um policial. Foi o desfecho. Fulminado de vergonha, o infeliz procura o recesso dos sertões, paragens desconhecidas, onde lhe não saibam o nome. Desce para o sul do Ceará. E desaparece."
Antônio Maciel só iria reaparecer dez anos depois, já como o místico Antônio Conselheiro:
"(...) E surgia na Bahia o anacoreta sombrio, cabelos crescidos até aos ombros, barba inculta e longa; face escaveirada; olhar fulgurante; monstruoso, dentro de um hábito azul de brim americano; abordoado ao clássico bastão em que se apoia o passo tardo dos peregrinos..."