28.10.11

Os mitos por trás do zodíaco

O homem enxergou no céu referências para se orientar no tempo e no espaço. Viu também imagens que reproduziam os deuses e suas façanhas. Esse legado atravessou o tempo e está presente em nosso dia a dia
RICARDO MUNIZ


A trajetória do Sol, as fases da Lua e a rotação do céu noturno foram as primeiras grandes referências que o homem descobriu e usou para se orientar no tempo e no espaço. A necessidade dessas referências cresceu há 10 mil anos, com o desenvolvimento da agricultura. E cresceria ainda mais no início das grandes navegações, nos séculos 15 e 16.
Mas foi há 3 mil anos que as civilizações do Crescente Fértil, a região atravessada pelos rios Nilo, Tigre e Eufrates (no Oriente Médio), esboçaram os primeiros estudos do céu - personificando fenômenos astronômicos na figura de deuses. Os sacerdotes da Mesopotâmia estabeleceram as constelações do zodíaco por volta do século 5 a.C. Elas não serviam para traçar o destino dos indivíduos em função da data de nascimento, como faria depois o horóscopo, mas para dar consultoria ao rei sobre a iminência de tempos difíceis.
A necessidade de referências, combinada à compulsão em dar sentido a tudo - incluindo o aparente caos celestial -, levou o homem a criar no firmamento, ligando estrelas com linhas imaginárias, um conjunto de imagens que simbolizam o enredo de alguns de seus mitos.
O nome das constelações vem da mitologia grega - algumas delas, os helênicos herdaram de povos da Mesopotâmia. E nós herdamos deles. A de Aquário, por exemplo, lembra o sequestro de um jovem e belo troiano, Ganimedes, que foi obrigado a servir de copeiro no Olimpo. A titular da vaga era Hebe, deusa da juventude, filha de Zeus, mas ela largou o batente quando se casou com Hércules (herói que também ganhou uma constelação). Distraído enquanto se divertia com os amigos no monte Ida, Ganimedes foi raptado por Zeus, que estava de olho naquela beleza toda. Entre suas atribuições oficiais estava servir o néctar (a "água" da imortalidade) aos deuses. "Aquário", na Antiguidade, era o escravo responsável pela água - daí a constelação ser representada por um homem derramando líquido de um jarro.

Loteamento
A União Astronômica Internacional, fundada em 1919, na França, não se atreveu a abandonar todo o simbolismo que reina nas alturas quando a Délimitation Scientifique des Constellations loteou o firmamento em 88 grupos, em 1930. "Talvez alguém se incomode que, em pleno século 21, ainda façamos referência à mitologia quando falamos de constelações. Mas tudo é histórico. Tudo é cultural. São ‘causos’ que marcam a cultura ocidental", afirma Walmir Thomazi Cardoso, mestre em História da Ciência, doutor em Educação Matemática e professor do Departamento de Física da PUC-SP. "O arranjo que acabou por se consolidar presta uma homenagem às origens históricas da astronomia", avalia Marcelo Gleiser, professor de Física Teórica e Astronomia do Dartmouth College (EUA).
Os gregos antigos descreveram mais da metade dessas 88 constelações reconhecidas pela União Astronômica. Quarenta e oito delas foram registradas nos volumes 7 e 8 da Composição Matemática, a obra mais importante de Cláudio Ptolomeu (90-168), célebre astrônomo de Alexandria. Os volumes só foram resgatados do esquecimento graças à admiração e ao zelo dos árabes, que traduziram a Composição, batizando-a de Almagesto. O trabalho de Ptolomeu é fortemente influenciado pela obra de Eudóxio de Cnido, de aproximadamente 350 a.C. A essa natural transmissão de legado entre pensadores corresponde uma verdadeira corrida, de cultura para cultura, que marca o conhecimento astronômico que chegou até nós.
Entre os séculos 16 e 18, astrônomos e cartógrafos celestes europeus, por sua vez, adicionaram novas constelações às 48 consolidadas por Ptolomeu. Em sua maioria, eram descobertas feitas pelos primeiros exploradores do Hemisfério Sul. Entre quem fez contribuições particulares para a nova safra estão os astrônomos Johannes Hevelius e Nicolas de Lacaille, os cartógrafos Houtman, Keyser, Mercator e Plancius e o navegador Américo Vespúcio. Lacaille, por exemplo, saiu batizando constelações, 14 ao todo, com as designações de aparelhos das ciências e das artes. Foi assim que ele prestou seus respeitos a itens como o forno químico, usado para destilação, e a máquina pneumática - sim, existe a constelação do Forno e a constelação da Máquina Pneumática.

O céu não é mais aquele
Mas o loteamento celeste que faz mais sucesso é o zodiacal, e aí não importa que a poluição atmosférica e o excesso de luzes urbanas tenham tornado difícil ver alguma coisa quando se olha para o céu noturno. Para chegar à divisão do zodíaco - 12 signos, de 30 graus cada um -, foram necessárias muitas observações precisas e uma aritmética elaborada. Os babilônios empregavam a numeração sexagesimal, mantida até hoje na divisão do círculo em 360 graus e na divisão do dia em 24 horas.
Por causa de um dos mais de 20 movimentos da Terra, chamado precessão, o eixo dos polos não aponta sempre para uma mesma estrela. Hoje o eixo mira Polaris, mas, na época dos egípcios, a estrela “polar” era Thuban - e daqui a 12 mil ou 13 mil anos será Vega. Como a nomenclatura atual das constelações do zodíaco foi codificada há 2 mil anos, o céu já mudou. E o zodíaco de hoje é ligeiramente diferente. Previsivelmente, o pensamento científico repudia a devoção persistente ao horóscopo - o que pouco se reflete no grande público consumidor das previsões para seus signos.
Ainda assim, ai de quem ousar mexer no horóscopo. Parke Kunkle, da Sociedade Planetária de Minnesota, apareceu no início deste ano falando em precessão, que os signos astrológicos não correspondem ao lugar real das coisas na abóbada celeste... E ainda por cima atreveu-se a afirmar que deveria haver um novo signo (ofiúco, ou serpentário). Kunkle foi alvo da ira planetária do numeroso e antiquíssimo fã-clube do horóscopo.

Carneiro (Áries)
Representa o carneiro cujo velocino (a pele recoberta com a lã) é de ouro. Jasão e os argonautas fazem viagem épica para levar o velocino à Grécia

Touro
Representa o disfarce usado por Zeus para levar a princesa Europa da Fenícia para Creta, cruzando o mar Mediterrâneo a nado, com Europa nas costas

Gêmeos
Suas estrelas mais brilhantes são Castor e Pólux, os gêmeos da mitologia grega. Em dezembro, meteoros parecem partir de um ponto perto de Castor

Caranguejo (Câncer)
O Caranguejo atacou Hércules em sua luta contra a Hidra de muitas cabeças. Mas foi esmagado pelo pé do herói

Leão
Uma das poucas constelações que realmente lembram o que representa. Refere-se ao leão de couro impenetrável eliminado por Hércules no primeiro de seus 12 trabalhos

Virgem
Têmis, a deusa da Justiça. De tão desgostosa com o mau comportamento dos homens, refugia-se no céu

Balança (Libra)
Representa a balança da Justiça, segurada por Virgem. Os gregos antigos viam aqui as garras da constelação vizinha, de Escorpião
Escorpião
É quem mata Órion, um caçador e guerreiro que também nomeia uma constelação. No coração da constelação fica a estrela vermelha Antares
Sagitário
Representa Croto, um filho de Pã (o bode com cauda de peixe). Croto inventou o arco e a flecha e tornou-se caçador
Capricórnio
A menor do zodíaco, tem forma de um bode com rabo de peixe. Representa o deus Pã. Para escapar do monstro marinho Tífon, Pã pulou em um rio
Aquário
Um jovem derramando água de uma jarra. Representa Ganimedes, um bonito pastor de ovelhas raptado por Zeus para servir néctar no Olimpo
Peixes
Conta a história de outra fuga do monstro Tífon. Afrodite e seu filho Eros mergulham no rio Eufrates, transformados em peixes, para escapar da besta marinha.
Fonte:
http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/mitos-zodiaco-639109.shtml