18.6.12

Em Sarajevo, atentados em série

O assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando em 1914, que entrou para a história como estopim da Primeira Guerra Mundial, não foi um ataque isolado. No mesmo dia, o herdeiro do trono austro-húngaro já havia escapado da morte

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Arquiduque Francisco Ferdinando e sua esposa, a duquesa de Hohenberg, deixam a prefeitura minutos antes de seu assassinato


por Frédéric Guelton

A história é conhecida: no dia 28 de junho de 1914, enquanto o cortejo de Francisco Ferdinando, o arquiduque do Império Austro-Húngaro, passava por Sarajevo, Gavrilo Princip se posicionou numa esquina e atirou, atingindo o arquiduque e sua esposa. Os dois morreram, e o ataque foi a causa imediata da guerra de 1914-1918. O que não se diz muito é que, nesse mesmo dia, Francisco Ferdinando já havia escapado de um primeiro atentado. E mais: foi por acaso que Gavrilo Princip o matou, assim como sua esposa, um pouco mais tarde. De acordo com depoimentos recolhidos pela polícia, as atas dos processos – o último ocorreu na Iugoslávia, em 1953 – e as investigações dos historiadores e jornalistas, é possível reconstituir o que aconteceu no fatídico 28 de junho de 1914.

Tudo começou em 1913, em Viena, quando o herdeiro do trono, o arquiduque Francisco Ferdinando, resolveu que, no ano seguinte, iria inspecionar as tropas da guarnição na Bósnia-Herzegovina. Sua mulher, Sofia, o acompanharia. Quebrando a etiqueta imperial, ela, uma esposa morganática, seria autorizada a aparecer a seu lado, até mesmo no dia 28 de junho, data que lembrava a Francisco Ferdinando a humilhação sofrida, em 1900, às vésperas de seu casamento, quando teve de renunciar ao trono por seus filhos.

A data representava também, para os jovens sérvios da Bósnia-Herzegovina, que haviam se tornado súditos do império austríaco em 1908, outro símbolo: a derrota diante dos otomanos em 1389, durante a Batalha de Kosovo Polje, que representou o domínio turco sobre a região pelos cinco séculos seguintes. Desde então, aquele povo lutava por sua liberdade. E, para os nacionalistas iugoslavos, todos os meios para conquistá-la eram permitidos, inclusive o martírio.

Complô armado No domingo, dia 28 de junho, de madrugada, Francisco Ferdinando e Sofia, que haviam chegado de Viena três dias antes, assistiram à missa na capela do hotel Bosna, em Bad Ilidje, onde ficaram hospedados durante a temporada bósnia. Quando o ofício terminou, o casal se juntou ao cortejo que os esperava.




Coleção particular

O momento do ataque retratado em ilustração de jornal da época: Gavrilo Princip atira no casal imperial, ilustração publicada no Le Petit Journal, 1914



Os conspiradores estavam a postos. Eles tinham previsto se dividir em três grupos ao longo do cais Appel, artéria principal da cidade que margeia o rio Miljacka, por onde o cortejo oficial deveria passar. O plano era simples: quando vissem o carro do arquiduque, lançariam suas bombas e se matariam. Mas havia três grandes lacunas: a primeira em relação à própria concepção do plano. Para dar certo, seria preciso que o carro, ao desfilar diante dos conspiradores, esperasse que a bomba o atingisse ou, no caso de fracasso dos primeiros lançamentos, seguisse seu caminho para que os próximos pudessem tentar sua chance.

O segundo problema diz respeito às bombas, obtidas em Belgrado. Cada uma, de 15 cm de comprimento, 5 cm de largura e 3 cm de espessura, era muito pesada para ser escondida em um bolso. Além disso, para acioná-la, era preciso arrancar o fecho metálico que protege o detonador, bater com força contra um objeto duro para armá-lo e contar até dez antes de lançá-la, sabendo que ela normalmente explodiria no final de 12 segundos. Tudo isso representava, para um atentado a ser cometido no meio da multidão, e provavelmente entre as forças de ordem, uma proeza que exigia imenso sangue-frio.

Terceira lacuna: os conspiradores eram jovens. Vaso Čubrilović acabara de completar 17 anos; Nedeljko Čabrinović e Gavrilo Princip tinham 19. Apesar de determinados, eram inexperientes e, no momento da ação, ficariam diante de seu destino. Cada um teria de ultrapassar a distância que separa a intenção de matar ao ato.

O grupo se encontrou por volta das 8 horas da manhã na doceria Vlanic, na esquina do cais Appel. Cada um trazia uma bomba amarrada na cintura, revólver em um bolso e cianureto no outro, e seguiam individualmente para o cais, indo e voltando, conversando com os transeuntes para evitar chamar a atenção. Eles sabiam, por meio de Danilo Ilić, que havia lido nos jornais, que Francisco Ferdinando deveria estar no segundo carro do cortejo. Mas um carro de polícia abriu o cortejo, gerando a dúvida sobre se o arquiduque estaria no segundo.


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O arquiduque Francisco Ferdinando (1863-1914), herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, com a esposa, Sofia Chotek (1868 -1914) e seus três filhos



O primeiro dos conspiradores, e também o mais velho, Muhamed Mehemedbašić, estava bem na frente, no cais. O local era pouco favorável, pois estava muito cheio. Um pouco mais distante, Nedeljko Čabrinović perambulava, buscando se colocar em um local mais vazio, próximo de um poste de luz, para conseguir armar discretamente sua bomba em uma superfície dura que ficasse à sua altura. Trifko Grabež andava meio sem rumo, indeciso, ao longo do cais. Cvjetko Popović parecia estar paralisado pela dúvida. Por último, Gavrilo Princip se posicionou próximo à ponte Lateiner.

Quando o cortejo entrou em Sarajevo, e depois chegou ao cais, os conspiradores estavam teoricamente prontos. A multidão aclamava o casal imperial. Os carros desfilaram diante de Muhamed Mehmedbašić, mas nada aconteceu. Um pouco mais adiante, Nedeljko Čabrinović, que tomara a precaução de arrancar antes o tampão que protegia o sistema de acionamento de sua bomba, se dirigiu a um policial e perguntou em qual carro estava o arquiduque. O policial indicou-lhe o terceiro. Quando este chegou a sua altura, Čabrinović pegou a bomba, bateu o detonador no poste de luz para armá-la e, sem lembrar de esperar os dez segundos, jogou-a na direção de Francisco Ferdinando.

Ao mesmo tempo, o motorista do carro do arquiduque, surpreso pelo barulho do armamento da bomba, que pensou ser um tiro, pisou instintivamente no acelerador. O carro deu um tranco, e a bomba aterrissou não exatamente no fundo do veículo, mas bem atrás do arquiduque, sobre a capota aberta. Ela ricocheteou, caiu no chão e explodiu alguns segundos depois, perto do carro seguinte. O tamanho do buraco que fez no chão, de cerca de 15 cm de profundidade e 30 cm de diâmetro, dá uma ideia do que teria acontecido caso ela tivesse explodido nos pés de Francisco Ferdinando e Sofia. Ao ouvir a explosão, o arquiduque mandou o motorista parar, preocupado em saber se alguém tinha sido assassinado. Não era o caso. Apenas alguns pedestres, como o coronel Erich von Merizzi e o conde Alexandre Boos-Waldeck, tinham ficado levemente feridos. O cortejo retomou seu caminho, passando, sem obstáculos, diante dos outros conspiradores, e chegou à prefeitura.

Ato heroico No cais, a polícia se lançou na perseguição a Čabrinović e em busca de seus prováveis cúmplices. O fugitivo tomou sua dose de cianureto, e, por mais estranho que isso possa parecer, o veneno só provocou nele alguns vômitos. Sem ousar atirar contra si mesmo, foi se esconder. Logo foi encontrado pelos policiais, que lhe perguntaram se ele era sérvio. Sem saber do fracasso de seu ataque, ele respondeu: “Sou um herói sérvio”.


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Os cúmplices Gavrilo Princip (à esq.) e Nedelko Gabrinovic (à dir.), em foto de 1912, durante encontro em Belgrado com Milan Ciganovic, que os ensinou a manipular os armamentos usados no ataque dois anos depois



Na prefeitura, furioso, Francisco Ferdinando já não suportava o discurso de circunstância proferido pelo prefeito. “Eu venho a Sarajevo como amigo e sou recebido com uma bomba! Que ultraje!” Sofia acalmou-o. O protocolo foi retomado. Durante a recepção que se seguiu, o arquiduque perguntou, com humor e cinismo, ao general Potiorek, governador da província e, por isso, responsável por sua segurança, se ele devia esperar receber outras bombas. Potiorek garantiu-lhe que não. Entretanto, pensou em modificar a sequência da visita. Em vez de ir, como estava previsto, ao museu, sugeriu a Francisco Ferdinando que fosse diretamente ao Konak, onde deveria almoçar, ou voltar para Bad Ilidje, para mostrar à população seu descontentamento. Outros oficiais propuseram, ainda mais sabiamente, que ele ficasse na prefeitura até a chegada do exército.

Francisco Ferdinando decidiu de outra forma. Quis ir para o hospital visitar Merizzi. Seu estado-maior aceitou a mudança de itinerário. Inicialmente, o cortejo imperial deveria deixar o cais Appel, uma avenida bastante larga, virando à direita na altura da ponte Lateiner para pegar a rua Franz Joseph em direção ao centro da cidade e suas ruas estreitas. Em vez disso, o cortejo ficaria o máximo de tempo possível no cais, antes de tomar a direção do hospital. Francisco Ferdinando, por mais que não deixasse parecer, estava preocupado. Não por ele, mas por sua mulher. E decidiu que eles não fariam o deslocamento juntos; Sofia, em vez de acompanhá-lo ao hospital, iria para o Konak, de onde retornaria para o hotel de Bad Ilidje. Mas ela recusou.

O casal deixou a prefeitura. Sofia subiu no carro e se colocou à direita do marido. Apenas um veículo prece-dia o do arquiduque. A bordo, o chefe da polícia. Deixando, à esquerda, a ponte do imperador, ele prosseguiu pelo cais Appel. Chegando à altura da ponte Lateiner, o veículo da frente, em vez de seguir adiante, conforme o decidido, virou à direita, de acordo com o itinerário inicial. Não se sabe se o motorista não havia sido informado da mudança de trajeto ou se virara simplesmente por reflexo. De toda forma, reduzindo a velocidade, ele entrou na rua Franz Joseph, que leva ao museu. O motorista do carro imperial seguiu-o, naturalmente. O general Potiorek, furioso, começou a berrar, ordenando que dois carros fizessem meia-volta para se dirigir ao hospital pelo cais Appel. O carro imperial fez uma manobra perigosa na rua estreita. A cena ocorreu diante dos olhares da multidão, feliz por ver de perto o casal imperial.




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Policiais prendem Gavrilo Princip (à dir.) instantes depois de o ativista fazer o disparo que matou do casal



Gavrilo Princip estava lá, por acaso, desapontado e provavelmente furioso por terem fracassado nos ataques no cais. Não pensava mais em plano de assassinato nem tinha qualquer outra intenção particular. A oportunidade, para ele, já havia passado. Mas, de repente, contra qualquer expectativa, diante dele, a menos de 2 metros, em um veículo parado, estava o casal imperial.

Ele ainda levava a bomba e o revólver. Princip ainda hesitou um instante, pois a pessoa que estava diante dele não era Francisco Ferdinando, mas Sofia. Depois, por instinto, reagiu. Ignorou a bomba, sacou a pistola e atirou sem mirar. Durante o processo criminal que se seguiu, ele reconheceria que chegou a virar a cabeça no momento de atirar. Quando lhe perguntaram quantas vezes teria apertado o gatilho de sua arma, ele respondeu que era incapaz de dizer quantas vezes atirara, em quem atirara e se havia atingido ou não seu “alvo imperial”.

Gavrilo atirou duas vezes. A primeira bala atingiu Francisco Ferdinando na jugular. A segunda pegou Sofia na região do abdômen. Os espectadores lançaram-se sobre ele. Um deles o pegou pelo braço. Como não podia mais utilizar sua arma, restava-lhe o cianureto. E começou a vomitar, como Čabrinović. Estranho. A polícia não teve problemas em capturá-lo. Mais difícil foi protegê-lo da multidão.

Nos minutos que se seguiram, o carro correu para a residência do governador. Ninguém se deu conta da gravidade dos ferimentos. Francisco Ferdinando, consciente, pensava antes de tudo em dar apoio a Sofia. Potiorek viu que eles chegaram a trocar algumas palavras. “Não foi nada, não foi nada”, repetia o arquiduque a cada instante. Sofia perdeu a consciência e caiu sobre os joelhos de Francisco Ferdinando, que sangrava pela boca. Princip atirou às 10h30. Sofia morreu às 10h45, e Francisco Ferdinando, às 11 horas.

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