13.2.13

Bem antes do iPhone

De cabos transportados no lombo de burros a Horas de espera para completar um interurbano, novo livro retrata o percurso tortuoso da telefonia no Brasilpor Ingrid Tavares





Um punhado de carvão granulado preso entre duas chapas de metal vibrava e fazia nascer a mágica. “Meu Deus, isto fala!”, se espantou Dom Pedro II ao ouvir a voz do inventor Alexander Graham Bell sair pelo telefone, durante uma feira em 1876 nos Estados Unidos. Um ano após o susto, o imperador do Brasil já era um dos primeiros do mundo a usar o brinquedinho. Logo ele ordenou a instalação de conexões no Rio de Janeiro para falar com os ministros sem sair do palácio, colocando o Brasil à frente da Europa no uso da tecnologia. Em 6 anos, a então capital do país contaria com 5 centrais telefônicas. Na virada para o século 20 já eram 1.500 linhas. São Paulo demorou a acompanhar o ritmo dos cariocas e, só em 1901, passou as 1.000 linhas, já que a instalação dos postes e passagens para os cabos era algo caro e demorado.


GAROTA PAPO-FIRME


A telefonista, símbolo da entrada em massa das mulheres no mercado de trabalho, era a profissional mais bem informada na cidade. A funcionária podia ouvir o bate-papo durante uma ligação, para depois desconectar as linhas

A expansão paulista não veio a galope, mas no lombo de burros à margem das estradas de ferro. “A rede São Paulo-Santos foi uma das instalações mais desafiadoras porque foi a primeira [do estado] e numa topografia cheia de obstáculos”, diz Gabriella Bighetti, diretora de programas da Fundação Telefônica, que reuniu imagens da expansão da rede no livro recém-lançado Fotografia e Telefonia. Para superar as dificuldades, foi preciso transportar o material pela Serra do Mar com os animais de carga e, para isso, as equipes eram obrigadas a acampar na mata.


TELEFONE, ESSE DESCONHECIDO


Cerca de 80 mil paulistanos estavam na fila de espera em 1950 para saber o que era ter uma linha telefônica. Enquanto não atendia à demanda, a principal operadora da época (CTB) fazia demonstrações de como o seu sistema funcionava

Mas o desafio ficava dentro de casa. A ideia de conversar com alguém que não estava presente dirigindo a voz a um objeto criava um clima de mistério. Além disso, moradores de prédios temiam levar choques do emaranhado de cabos e a população não tinha ideia de como lidar com o aparelho. Era comum uma concessionária dar telefones gratuitos para cidadãos, que eram devolvidos após um “acidente, como uma chamada à noite”, afirma Gabriella. Diante de tanta confusão, Campinas, reduto da elite cafeeira paulista, teve de ensinar seus moradores a usar o equipamento.


REDE SOCIAL


Um caminho de postes e teias de arame ligava a central aos futuros donos dos telefones. Passavam por complexas torres de distribuição, como esta (acima) de Sorocaba, em uma foto de 1919. Não bastava ser rico, era necessário estar na rota da linha do trem para conseguir um aparelho




AGUARDE (MUITO) NA LINHA


A Companhia Telefônica Brasileira (CTB), uma empresa de capital canadense, começou a organizar o sistema quando comprou boa parte das pequenas concessionárias no interior paulista e fluminense na década de 20. Com a integração dos serviços, inaugurou o interurbano (Rio-São Paulo, Rio-Niterói e Rio-Petrópolis). A popularização do negócio gerou demanda e descontentamento: em 1950, mais de 80 mil estavam na fila pelo telefone em São Paulo.


PÉ DE FIOS


Os primeiros postes telefônicos eram de madeira (geralmente aroeira) e precisavam de manutenção constante contra incêndios e pragas. Só na segunda metade do século 20 foram substituídos por versões em concreto

Não que o serviço, comparado com o de hoje, fosse uma maravilha. A telefonista demorava algumas horas para fazer um interurbano — as funcionárias ouviam tudo para dar apoio e desconectar as linhas manualmente ao fim da conversa. Não apenas as telefonistas “orelhavam” a sua conversa, mas também todos que passavam perto das antigas centrais telefônicas públicas, já que era necessário gritar muito para ser ouvido do outro lado da linha.

Isso começou a mudar com a chegada do cabo coaxial, que transmitia a “voz por meio de alta frequência através do tubo”, anunciava a CTB em 1955. A adoção do condutor permitiu lançar o primeiro serviço de discagem direta à distância (DDD) entre Santos e São Paulo, 3 anos mais tarde. Com o cabo, o assinante poderia discar sozinho o código da cidade e esperar “apenas” 7 minutos para completar a ligação. Era a pá de areia que faltava na comunicação por frases curtas dos telégrafos e também na longa espera ao telefone com as simpáticas telefonistas.


BYE, BYE, TELEFONISTAS

A chegada de equipamentos para melhorar o sistema telefônico na década de 1930 permitiu a expansão dos revolucionários aparelhos automáticos, que não precisavam mais da intermediação das atendentes para funcionar.


Fonte: http://revistagalileu.globo.com/